Sátiras

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Localização: Trás-Os-Montes, Portugal

quinta-feira, março 23, 2006

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Este blog só reabrirá dia 2 de Abril. Até lá um Bem Haja a todos.

sábado, março 18, 2006

A feia (II)

Olhou-se ao espelho, via uma cara que não reconhecia, podia ser algo de mau gosto, sem qualquer traço que identificasse uma personalidade, mas sempre parecia um rosto mais bonito que o anterior. Não devia haver espelhos no mundo, são uma perda de tempo, sobretudo são um reflexo daquilo que não somos. Toda a gente julga por reflexos, é hipocrisia, sem qualquer dúvida vivemos num mundo hipócrita. Fechou os olhos e viu o seu rosto antigo, os olhos não podem nada, são meros instrumentos do engano. Só as mãos são verdadeiras. Nunca podemos medir alguém por aquilo que ele vê ou como é visto, fala ou como é ouvido, por aquilo que ouve ou por aquilo que dá a ouvir. Deveríamos avaliar sempre pelo que se faz, pelas acções, devíamos saber ver, saber falar e saber ouvir apenas com as mãos. Só as mãos são o verdadeiro rosto da alma.

Desde criança que detestava bocas, pois eram as bocas que emitiam aquela palavra que a fazia sentir o ser mais odiado e horrível do mundo – a palavra «feia». Tapava os ouvidos, não queria ouvir, talvez por não ter grandes hipóteses raramente falava com alguém ou talvez porque não tinha nada de belo para dizer que fizesse com que os outros a olhassem de uma maneira menos cruel. Seja como for criou uma muralha à sua volta, não ouvia nada mas também não era ouvida, transmitia as suas emoções, as suas mensagens pelas suas criações. Transmitia pela sua arte, a arte da escultura. Gostava de pensar que nas mãos tinha os cinco sentidos.
Ainda há pouco ouvia as palavras desumanas, fazendo eco na sua mente, daquele que morreu a contemplar a sua nova imagem. São os enganos dos olhos, porque ela esteve sempre ali, sempre igual, sempre pronta a ser amada. Talvez por uma simples imagem que não era ela, ele tivesse visto o que estava por detrás do seu rosto. Nunca antes a tinham amado, mas agora tinha a certeza que esse homem que tanto olhares de repúdio lhe tinha lançado, tinha descoberto a sua essência. Lembra-se como detestava aqueles olhares, os olhares magoam mais que as palavras, num olhar pode-se reflectir tudo aquilo que é desagradável, mas só pelas mão se pode transmitir beleza. Ele morreu com a sua imagem nas mãos, não seria essa a maior prova de amor? Agora restar-lhe-ia sonhar com ele. Partiria com o seu amante, fechado para a vida mas solto nos encantos do sonho para jardins que lhe estavam proibidos desde o dia em que nascera com aquele rosto. Mas agora tinha um rosto que era feito com as mãos ainda que não as dela, mas que foram guiadas pela sua criação no fundo eram como se as mãos fossem as dela. Sem duvida que o novo rosto era a chave que abriria as portas do jardim, onde novas Primaveras floririam deixando para trás os Invernos da solidão.
Pensou em escrever todos os seus sonhos no jardim florido do amor para nunca se esquecer, mas não tinha o dom da palavra ou julgava que não tinha que é a mesma coisa. A sua memória estava ocupada com passados sem valor, passados cinzentos sem vida, queria colorir o seu futuro com lembranças de amor eterno. Sim todos os sonhos podem perdurar através das mãos, todos os sonhos se podem realizar com as mãos, as mãos são o sentido da vida, o caminho para qualquer sonho.

Pôs todo o seu encanto na palma da mão, tocou o infinito amor com a ponta dos dedos e moldou a mais bela estátua que alguma vez fizera. A estátua que representava a figura divina do seu amante. Estaria sempre ali, não faria mais estátuas, acabaria ali a sua arte, podia sempre visualizar o seu amor com o toque sensível das mãos, a doce ferramenta do amor. Jamais a figura do seu amante escaparia da sua mente, passou dias e dias fazendo quer mimos suaves ora toques intensos de desejos, sim porque o amor também é posse.

Um dia reparou que para além da estátua também via a imagem do seu amor como se fosse de carne e osso. Sabia que era uma ilusão que tudo que vem dos olhos é ilusão, mas o amor também é feito de ilusão e fantasia coisa que a nua realidade não pode oferecer. Ouvia da boca daquela imagem palavras que julgara nunca ser possível de ouvir, palavras belas que ecoavam numa doce e meiga presença nos longínquos segredos da alma. Sentia o olhar da imagem que já não era imagem, era o seu verdadeiro amor, cheio de ternura e admiração, sentia a vida bela e gostava, gostava do poder dos olhos. Sentia que a sua alma repousava deliciosamente no leito do amor, lado a lado com o seu amante.

Saiu à rua, mesmo que os outros falassem ela não ouvia, não por receio que algum mal dali resultasse, isso já não importava, mas apenas porque só tinha ouvidos para o seu amante. Era um mundo a dois e estava feliz. Fez compras, falou o estritamente necessário, olhou para onde tinha que olhar sem nunca tirar os olhos do seu amor. No caminho de regresso a casa sentiu uma mão a apertar-lhe o coração, um aperto tão forte que a fazia gritar silenciosamente como se a própria voz ficasse esmagada. Olhou para o seu amante e este esfumava-se lentamente tentando dizer qualquer coisa que ela não ouvia. Sentia umas picadas nos ouvidos, uns sons de estrondo como se todo mundo estivesse a desabar queria colocar as mãos nos ouvidos mas não podia porque o aperto do coração era dolorosamente insuportável. Sentia-se a desfalecer à medida que se ia deitando no chão, as lágrimas brotavam em estúpida perplexidade, não era pela terrível dor que sentia no peito ou nos ouvidos, eram lágrimas de tristeza, lágrimas de despedida por ver o seu amor a desaparecer, tornar-se invisível ou pior estar condenado à não existência. A sua vida sem ele não teria qualquer sentido e deixou-se morrer sem qualquer resistência.

Não se sabe se foi coincidência, mas nos breves momentos que levaram à morte daquela mulher, por muitos apelidada de feia, tinham entrado na sua casa uns vândalos que para além de roubarem o que de valor lá existia destruíram a estátua à martelada. Seja como for morreu de um fulminante ataque cardíaco. Quanto aos ouvidos nada foi detectado. A autópsia revelou ainda que a mulher feia, no breve instante que antecedeu a sua morte, tinha ficado cega.

Um pedreiro, um simples pedreiro, para homenagear a grande escultora fez dos destroços da estátua uma brilhante lage que revestiu gloriosamente a campa daquela que é hoje considerada a mais bela escultora de que há memória.

Nota: Ao Vitor, pela conversa da treta( ou não) que deu nisto... que vocês leram

quinta-feira, março 16, 2006

A feia

Guardou o tempo de criança em que se importava que lhe chamassem feia. Agora ao longe ria-se ingloriamente das palavras que lhe continuavam a bater nos ouvidos. Todavia não lhe era indiferente, detestava as aparências e as palavras ocas de quem só julgava pelo exterior. Não podendo dar luz, talvez nem quisesse, a tais palavras achou por bem pagar-lhes na mesma moeda. Se eles não viam, ela também deixaria de ver. Tapou os olhos com uma venda que durante dois anos usou silenciosamente.
As mãos são os olhos da alma, cega por opção, faria uma estátua que deixaria bem claro a sua revolta. Uma estátua que tivesse um rosto horrível, mas que todos aqueles que lhe chamaram feia se pudessem rever nela. Não precisou de um esforço acrescido para recordar todos os traços, todos os contornos dos rostos, todos os lábios, por onde vociferavam linhas de desprezo, expressões de abominação e vozes geladas que feriam como lâminas. Seria uma estátua de escárnio satírico onde rebaixaria todas as expressões daqueles que a haviam feito sofrer. Moldaria a mais ignóbil obra que alguma vez feita.
Acabada a estátua foi fácil colocá-la no mercado, pois era uma artista reconhecida pelas suas obras de grande valor. Para sua decepção a estátua foi considerada, pela crítica, uma das mais belas obras da arte contemporânea, foi mesmo idolatrada por alguns essencialmente por aqueles que ela queria atingir. Ficou triste e desiludida, mas teve uma certeza – "a beleza não está nas coisas mas sim nos olhos de quem a vê".
Procurou o melhor cirurgião plástico que lhe reconstruiu o rosto tornando-o igual ao da estátua. Ficou admirada quando quase todos a julgaram por uma pessoa de mau gosto sem qualquer tipo de personalidade. No entanto uma foto sua saiu numa das maiores revistas de moda, soube mais tarde que um homem tinha morrido devido à obsessão pela sua foto. Esse homem qual Narciso olhou para aquela foto como se visse ali o seu reflexo, talvez a sua alma gémea. Esse homem era, pura e simplesmente, aquele que mais repugnantemente lhe tinha chamado feia.

quarta-feira, março 15, 2006

O Caçador de almas

Noite de lua cheia. Nuvens rendilhadas trespassavam, aos poucos, a lua.
Do 5º andar sobressai da escuridão um cigarro aceso. Uma passa, um rosto imperceptível, olhos que reflectiam a cinza em rubro do cigarro. Olhos que se dirigiam ao outro lado da rua, um quarto, vidros transparentes, luz acesa, dois corpos entrelaçados.

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Um homem nu, olhos fechados, impulsivamente descarregava raivas, medos e insucesso no ventre de Marta. Gemidos selvagens, talvez algum carinho, recordando alguém… talvez o prazer como cura para frustrações.
Marta deitada sobre lençóis, de olhos bem abertos, olhava o tecto branco. Não precisava de concentração para emitir gemidos que simulassem prazer. Todos os sons estavam mecanizados, assim como os gestos, gestos sensuais de todo o corpo. Apenas guardava uma coisa para si, os olhos, não venderia os olhos por nada. Se vendesse os olhos venderia a alma.

Olhava o tecto branco tentando levar a brancura para a sua mente, tudo branco a cor da pureza. Não era pureza que buscava, era esquecimento do momento, era esquecer a dor de sonhos perdidos. Toda ela era sonhos por conquistar, muitos deles em memórias esquecidas. Que interessa? Que interessa quando se é um depósito de raiva, um recipiente para outros reciclarem as suas desventuras… Que raiva! Quanto menos se quer sentir mais se pensa. Porque será que a mente não se desliga simplesmente?....Dois anos, dois anos e conseguiria todo o dinheiro que precisava para abandonar esta maldita profissão…escravidão, escravidão é o que é, escravidão da alma. É assim a vida dos tristes pensam sempre no futuro. De todos os sonhos que tinha tido, restava apenas um, o sonho de abandonar esta vida com alguma segurança financeira.
O cliente saiu, um cliente certo como outros que tinha, todos eles eram também poços de desilusões muitas vezes iam ter com ela, para encontrar um pouco de prazer alívio ou tão só uma voz que os afastasse da solidão…só ela não tinha nenhum prazer, apenas o prazer da acumulação do dinheiro.

Marta ficou sozinha, uma insegurança estúpida remoía-lhe a mente, sentia-se invadida por um olhar, nunca tinha tido esta sensação, nem precisava de ter, nunca se tinha importado que lhe espiassem o corpo. Desta vez era diferente não era ao corpo que esse olhar, que com certeza era só impressão, se dirigia, mas um olhar que a penetrava, um olhar que lhe despia a alma.
Assustou-se, a campainha tinha-a apanhado desprevenida. Quem seria? Não esperava nenhum cliente, só atendia clientes com marcação antecipada. Tinha trancado a porta de todos os sonhos. Porquê abrir esta? Não existe inocência quando o medo domina, sentia-se nua, vestia um corpo transparente feito de pele e osso, e um robe sem qualquer poder para esconder a alma. Óculos de sol…óculos de sol era o que precisava. Escondeu os olhos. Abriu a porta.

Um homem! Gabardina e chapéu cinzento claro, luvas pretas e um ramo de rosas. Estendeu o ramo a Marta, esta pegou-lhe instintivamente. O homem lançou apenas um olhar, um breve sorriso, antes de Marta agradecer já tinha virado costas.
Marta colocou as rosas numa jarra e pensava naquele instante desconhecido. Um sorriso abriu-lhe os lábios num leve prazer que soltou a imaginação. Daquele intervalo de tempo sobrou um olhar que a trespassou, um rosto de que não tinha lembrança. Era assim que via aquele rosto, um rosto sem contornos, ela que sempre fora boa a recordar caras… e por momentos sentiu-se só. Os sentidos não se dão com a solidão. Por isso tinha desaprendido de sentir, mas agora não conseguia evitar e gostava, sentia-se viva. Olhou a lua da janela, o silêncio do luar entrou-lhe na alma. Porque é que ele não tinha dito nada?

Uma voz não chega para serenar um corpo entregue aos ventos do tempo. E tentou recordar-se de um corpo de outrora, mas a mente esquece-se, restam os sonhos perdidos. Queria abrir as portas aos sonhos, sonhos que as palavras não conseguem descrever porque ficaram amarradas no tempo. Que interessa uma vida sem prazer? Que interessa amealhar pequenas fortunas, se tudo que se acumula são infortúnios? Que interessa o dinheiro se não posso viver com prazer? Fechou as janelas e deitou-se na esperança que durante o sono encontraria sonhos antigos. Só perdendo-se nos sonhos encontraria o caminho feito de desejo. A força dos sentidos são os trilhos do sonho. A solidão não é para os sentidos é para o pensamento e isso não é viver com o corpo...é a prisão da alma.Que interessa se a mente está viciada na prospectiva de arquitecturas futuras quando o corpo pede vida?

Adormeceu. Sonhou com todos os homens a quem tinha vendido os seus serviços, muitos dos quais não se lembrava, e de todos tirou prazer que na realidade não tinha sentido. No fim do sonho todos os homens se fundiram num só, no último que a tinha visitado. Acordou assustadoramente húmida, ainda ébria de sonho sentia que amava e desejava aquele homem de rosto indefinível. Agora via porque não se recordava dele, de qualquer traço do seu rosto, ele era todos os rostos, era todos os homens que estranhamente repugnava, mas viciantemente almejava essa união.

Um novo fim de tarde, princípio da noite, aconteceu. Marta atendeu os seus clientes com olhos fechados tentando absorver todos os obscuros desejos lascivos, raivas, obscenas exibições,…. Não precisou simular sorrisos, o seu encanto era natural, mas não escancarou a sua sinceridade para não afugentar clientes. Espreitava-lhes a alma, agora que tinha deixado de esconder a sua via a dos outros. Se fosse noutros tempos talvez vomitasse de nojo, agora não, agora rasgava trevas como se de uma viagem se tratasse.

Depois de atender todos os clientes, a campainha tocou novamente. Abriu-se a porta, entrou o estranho homem. Beijou Marta, fizeram amor intensamente. Marta sentiu um enorme prazer, orgasmos electrizantes que lhe extraíam todas as frustrações todos os medos, todas as raivas os mais dissimulados segredos. Sentia toda a sua alma espionada, mas não se importava, agora tinha a alma vestida de prazer, roupas coloridas de vida. O delírio do prazer acabou e o homem foi embora sem dizer palavra.

Marta cada vez mais abominava os seus clientes, mas agora empenhava-se em arranjar outros, não por dinheiro mas sim para lhes extrair todas as sórdidas solidões, todos os esgares odientos e principalmente a raiva e a inveja. Os clientes sentiam um enorme alívio na cama de Marta, mas também pressentiam algo desagradável, parecia que ela descobria o grande terror que lhes habitava na memória, os reles pensamentos desconfiados. Mas o vício impulsionado pelo prazer era muito mais poderoso que os desalmados receios. Também Marta estava viciada, precisava dos seus clientes para depois ter o prazer que tanto ansiava com o estranho homem.

Depois de uma noite de desenfreado sexo. O homem falou: Eu sou aquele que vive da raiva, do ódio, medo, matança, das infames ambições… E neste momento tu és como eu, precisas dessa sórdida morbidez da alma para viveres como um vampiro precisa de sangue, eu sou Mefistófeles. O verdadeiro inferno existe na vida, não te preocupes que nunca nos faltará comida, por mais fome que a gente tenha os humanos são uma fonte inesgotável da abominação que é o nosso alimento.

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Intensa escuridão. Chovia torrencialmente, um cigarro via-se no 5º andar, era Marta que o segurava.

Nota: Inspirado no poema Mefistofélico Voyeur do Al (http://onzelapsos.blogspot.com/)

terça-feira, março 14, 2006

?????????

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- Mas sabe o amigo, com todo o respeito, que há muito mais associações para gays que para grávidas.
- Sei e acho bem que assim seja…
- ??????????
- Repare que uma mulher só está grávida durante nove meses e um gay está gay toda a vida…
-E então uma mãe, uma mãe não fica mãe para o resto da vida?
- Ser gay é mais natural que ser mãe…
-?????????
- Um gay nasce sempre gay, uma mãe nunca nasce mãe, nasce filha. Ser mãe é uma opção que mais tarde tomará ou não.
- Ah!!! Agora compreendo porque o casamento não tem nada a ver com ter filhos ou não, ter filhos é uma opção ………………….. Não!!! Mas espere aí, ninguém nasce casado.
- Casar é uma opção natural.
-?????????????
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Soltos(I)

Se tivéssemos uma memória maior, esqueceríamos mais facilmente os erros dos outros.

Se a nossa memória fosse um livro aberto a todos, estaríamos sempre a tentar emendar os erros do passado.

Se fosse exigido a todos os grandes humanistas (assim reconhecidos) deste século, através de um método qualquer, extrair as suas memórias para enriquecimento da humanidade, alguns destes preferiam primeiro fazer uma lavagem ao cérebro.

domingo, março 12, 2006

O Relógio

Isidoro tinha medo que o tempo passa-se. Tinha medo de não conseguir fazer algo digno de registo. Olhava constantemente para o relógio, com medo de deixar passar o tempo sem nada fazer. O medo cresceu, uma obsessão apoderou-se de Isidoro…. olhava exclusivamente para o relógio. E a contagem decrescente prosseguia sempre ao mesmo ritmo, segundo a segundo, dia após dia….
Anos se passaram, Isidoro achou que já não tinha tempo e perdeu o medo, mas continuava a olhar para o relógio porque estava viciado ou porque se tinha habituado e não sabia fazer mais nada. Gostava de recordar o tempo em que fora criança, que brincava e não sabia ver as horas. Enquanto criança não fazia planos ou arquitecturas para o futuro, só existiam noites e dias. Agora enquanto o relógio consumia os dias, tinha quase a certeza que não existia futuro… o tempo é sempre igual, é um ciclo que se repete de 12 em 12 horas, a única diferença é a quantidade de luz que varia alternadamente… dias e noites. A única frase que Isidoro dizia: “ Em criança sabia mais que agora.”
No manicómio, assim os populares lhe chamavam, onde vivia, nunca ninguém reparou nos problemas de Isidoro, talvez porque cada médico, cada enfermeiro tivesse o seu próprio tempo, tivesse o seu próprio relógio. Isidoro também tinha o seu próprio tempo, talvez com mais consciência do que outra pessoa qualquer, o seu tempo psicológico era igual ao seu tempo biológico, que achava igual ao tempo físico.
O relógio parou. Isidoro morreu, o seu relógio era um relógio que media o tempo através das pulsações…
Quem herdou o relógio foi o sobrinho Inácio, amigo da pândega e do mulherio.
Colocou o relógio no pulso e logo começou a fazer projectos para o futuro. A ansiedade aumentava de dia para dia… tinha um objectivo claro para um futuro breve, ficar rico e famoso. Quanto mais o tempo passava menos probabilidade tinha de atingir o seu objectivo. Olhava constantemente para relógio … continuava a medir o tempo em espaços cada vez mais curtos…. Media o tempo segundo a segundo.
Quem sentiu a sua falta, a de Inácio, foi a Rita. Ainda bem que o fez, que o homem estava completamente vidrado no maldito relógio. Dançaram os dois como se fossem um só, dançaram na pista dos lençóis brancos ao som da música dos desejos secretos, aumentaram o volume até ao limite das suas forças físicas…
Inácio, até ter aquele relógio media o tempo, pelas distância entre cada foda… ou um outro qualquer prazer menor… «Maldito relógio que quase arruinava a minha vida, a minha riqueza é o amor e a música de cada momento. O futuro são o adicionar de novos momentos, e se planos para o futuro faço é porque cada plano é um momento que guardo com alegria…. mesmo que não se realize, o plano, terei dele lembrança… De trabalho, comida e bebida também é o homem feito….», pensou Inácio.
Quando Rita se foi embora, Inácio ganhou coragem porque era um objecto atraente, partiu o relógio. Partiu e viu, do interior, sair uma luz, parecida como seu tio maluco. Viu fogo, ou julgou que viu porque tudo isto foi um breve momento, e viu o Diabo, como se todo o Inferno estivesse contido naquele maldito relógio… deitou o relógio ao rio, que se o diabo gosta de fogo não deve gostar muito de água… e mais que não fosse aquele relógio havia de ficar perdido no tempo…
Ainda bem que o prazer o tinha safo de um fogo eterno….

sexta-feira, março 10, 2006

Apetece-me

Porque hoje reli e achei mais piada do que quando escrevi, porque pode haver quem ainda não tenha lido, porque não me apeteceu escrever, ou simplesmente porque me apeteceu voltar a editar, aqui fica mais uma vez o :

Amor sem fronteiras
Numa época em que a igualdade de direitos sofreu uma grande evolução, havia ainda muito por fazer.Alvor, guardador de rebanhos, pastor de cabras, vivia já há vários anos com seu irmão, Dionísio: «Que diabo», pensava Alvor, «Somos cidadãos que pagamos os impostos que nos são tributados, cumprimos os nossos deveres, porque razão, não podemos ter os mesmos direitos que os cidadão casados?», «Por acaso existirá maior amor que o nosso?»,O facto de, duas pessoas não terem relações sexuais, não os podia impedir de usufruir o direito ao casamento, bem pelo menos, foi assim que o Supremo Tribunal sentenciou. Alvor e Dionísio casaram, ao casarem adquiriram o direito de se poderem divorciar, facto que haveria de acontecer dois anos mais tarde.Alvor vivia agora apenas com a companhia do seu rebanho, tinha-se apaixonado pela Cinzenta, a cabra mais bela do rebanho. Alvor era um homem com princípios éticos e morais bem vincados, mas religiosos acima de tudo portanto sexo antes do casamento nem pensar.Estamos num tempo em que praticamente as florestas desapareceram, animais selvagens existiam apenas em zoo, em compensação a LIGA DE PROTECÇÃO DOS ANIMAIS tinha ganho poder, comprovado pela maioria de lugares assegurados no parlamento. Pois bem, foi essa mesma maioria que decretou, que qualquer humano poderia contrair matrimónio com qualquer espécie animal, isto, está claro, desde que o matrimónio não apresente riscos visíveis para o animal, dando assim importância prática ao slogan – frase chave que permitiu ganhar as ultimas eleições – “Os animais são muito mais que nossos amigos.”Os casamentos, entre homens e animais, principalmente entre homens e vacas, começaram a acontecer de forma exponencial, algo que confundiu muita gente foi a razão da preferência por este animal, menos os exploradores do mercado.Alvor e Cinzenta, viviam felizes, no entanto faltava algo na sua relação, um filho, sim um filho o desejo de qualquer casal, quase tão rápido como o desejo de Alvor foi a decisão do parlamento, que os casais zoófilos poderiam adoptar animais bebés, mas só se fossem crias de animais em vias de extinção, assim a preservação de algumas espécies estava assegurada, mas como todos os animais, pelo menos mamíferos, estavam em vias de extinção isso não gerou qualquer entrave. Assim sendo Alvor e Cinzenta adoptaram um Tigre de Benguela, reinava o orgulho dos dois ao verem o seu pequenino a crescer em cada dia que passava.Os exploradores de mercado começaram a criar clínicas de cirurgia estética para cabras, cujo grande especialidade era a implantação de silicone em cabras, criou-se assim a ideia que os humanos preferiam as vacas por causa do tamanho das mamas. E que havia muitos benefícios para os animais pois assim agradavam muito mais o seu parceiro, impedindo muitas vezes a violência doméstica, este argumento verdadeiro ou não possibilitou a aquisição de licenças para o desenvolvimento do negócio.No entanto havia quem argumenta-se que melhor que agradar aos outros seria, as pessoas ou animais, que em primeiro lugar deveriam era sentir-se bem consigo próprias, «E porque não corrigir pequenos infortúnios da natureza, com uma cirurgia ao alcance de todos?».Ao alcance de todos tornou-se apenas, quando estas cirurgias ficaram consagradas no Plano de Saúde, para delírio de muitas fêmeas, que podem agradecer ao prestígio e poder da Ordem dos Cirurgiões Plásticos que substitui a extinta, e não menos nobre, Ordem dos Médicos.Ora, não foi o motivo estético que levou Cinzenta a recorrer a uma dessa clínicas, embora do agrado do marido, mas sim a necessidade de produzir mais leite de forma a poder amamentar o seu filhote.Quem tem motivos para lá da parte estética é a recém criada Liga de Protecção dos Humanos, cujos membros foram outrora crianças órfãs. Esses motivos, que ainda pouca gente aceita, mas apoiantes são cada vez mais, prende-se com a evidência de existirem mais crianças órfãs que animais para adoptar.Das boas intenções de Cinzenta ninguém duvida, mais duvidosa foram os benefícios para a saúde dos implantes de silicone, se havia quem levantava a voz ao slogan - “mamas sãs em corpo belo”, não é menos verdade que vozes de inveja a poucos ouvidos chegavam, e mesmo quando chegavam , «O que valia a saúde comparada com um bom par de mamas?». Seja como for, Cinzenta não produzia leite para amamentar o seu mais que tudo, e teve que retirar o implante. O caso surgiu num jornal extremista, extremista para alguns, preconceituoso para a maioria. A maioria afirmava, e quando não afirmava pensava, que Cinzenta teve que tirar o seu implante, devido a ter ficado sem uma teta quando apareceram os primeiros dentes do seu filho.As eleições aproximavam-se, as sondagens continuavam a dar a maioria ao PILPA (Partido Internacional da Liga de Protecção dos Animais), o PD (Partido dos Dentistas) vinha em segundo lugar, tinha angariado muitos apoiantes desde que assumiu como sua causa, a «desdentação» das crias mamíferas, e depois da amamentação, ai sim, uma implantação dentária nas crias. O PLPH (Partido da Liga para a Protecção dos Humanos), tinha como causa principal pela igualdade de direitos na adopção por parte dos casais zoófilos de crianças em relação a outras crias mamíferas.Alvor e Cinzenta acabaram por se divorciar, O divórcio destes litigiosos, mereceu um acompanhamento especial pelas televisões, os advogados de defesa de Cinzenta , argumentavam, que o pedido de divorcio por parte de Alvor tinha como motivo o facto de Cinzenta ter uma teta a menos, e descriminação de animais portadores de qualquer tipo de deficiência era considerado crime.Já o advogado de Alvor argumentou que o pedido de divórcio se devia apenas à falta de comunicação que existia entre o casal, facto fácil de provar visto que Cinzenta não articulava palavra. O tribunal acabou por dar razão a Alvor e este ficou livre de pagar qualquer indemnização por danos morais. Alvor ainda acabou por lucrar pois acabou por vender Cinzenta na feira, coisa apenas permitida antes do casamento ou então apôs divórcio, como foi o caso.Os divórcios entre humanos e animais tornaram-se constantes, o ditado popular mais utilizado, que estava na moda, era: “Vaca que não dá leite feira com ela”, Se bem que tudo tenha começado com uma cabra …

Decisões Absurdas (VI)

O Grande Escritor estava plenamente convicto que a solidão é a eterna companheira do génio. Foi viver para uma cave, dedicando-se inteiramente ao silêncio das suas palavras, que um dia seriam a voz do mundo. O único elo que mantinha com a realidade era um pequeno orifício, onde uma criada, já velha, lhe depositava comida e roupa lavada…. Viveu dois anos assim, em perfeito isolamento dando asas aos seus brilhantes pensamentos.
Certo dia olhou-se ao espelho e viu que a sua escrita lhe tinha consumido a carne…. Não se reconhecia, a memória de uma vida jovem não passava de efémeras lembranças…. E foi ai que teve o seu maior pensamento, segundo ele, «A escrita é o vício da alma para se afastar da solidão, e o verdadeiro génio é aquele que ama a solidão. O verdadeiro génio é aquele que tira prazer da solidão.» Mais que escritor queria ser génio, tinha que destruir o vício da escrita. Tão dependente que estava da escrita que a única ideia que teve para por fim ao vício foi amputar a mão direita.
Suicidou-se quando descobriu que o seu único prazer na solidão era a masturbação.


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