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quinta-feira, março 16, 2006

A feia

Guardou o tempo de criança em que se importava que lhe chamassem feia. Agora ao longe ria-se ingloriamente das palavras que lhe continuavam a bater nos ouvidos. Todavia não lhe era indiferente, detestava as aparências e as palavras ocas de quem só julgava pelo exterior. Não podendo dar luz, talvez nem quisesse, a tais palavras achou por bem pagar-lhes na mesma moeda. Se eles não viam, ela também deixaria de ver. Tapou os olhos com uma venda que durante dois anos usou silenciosamente.
As mãos são os olhos da alma, cega por opção, faria uma estátua que deixaria bem claro a sua revolta. Uma estátua que tivesse um rosto horrível, mas que todos aqueles que lhe chamaram feia se pudessem rever nela. Não precisou de um esforço acrescido para recordar todos os traços, todos os contornos dos rostos, todos os lábios, por onde vociferavam linhas de desprezo, expressões de abominação e vozes geladas que feriam como lâminas. Seria uma estátua de escárnio satírico onde rebaixaria todas as expressões daqueles que a haviam feito sofrer. Moldaria a mais ignóbil obra que alguma vez feita.
Acabada a estátua foi fácil colocá-la no mercado, pois era uma artista reconhecida pelas suas obras de grande valor. Para sua decepção a estátua foi considerada, pela crítica, uma das mais belas obras da arte contemporânea, foi mesmo idolatrada por alguns essencialmente por aqueles que ela queria atingir. Ficou triste e desiludida, mas teve uma certeza – "a beleza não está nas coisas mas sim nos olhos de quem a vê".
Procurou o melhor cirurgião plástico que lhe reconstruiu o rosto tornando-o igual ao da estátua. Ficou admirada quando quase todos a julgaram por uma pessoa de mau gosto sem qualquer tipo de personalidade. No entanto uma foto sua saiu numa das maiores revistas de moda, soube mais tarde que um homem tinha morrido devido à obsessão pela sua foto. Esse homem qual Narciso olhou para aquela foto como se visse ali o seu reflexo, talvez a sua alma gémea. Esse homem era, pura e simplesmente, aquele que mais repugnantemente lhe tinha chamado feia.

9 Comments:

Blogger isabel mendes ferreira said...

obrigado!!!!!!!!!


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_________lindíssimo texto_______sobre a "feia"__________:)

beijo.

6:30 da tarde  
Blogger Elipse said...

a produção continua em grande.

10:55 da tarde  
Blogger Aprendiz de Viajante said...

Gostei das tuas sátiras... vou andar de olho em ti...

bjo

12:20 da manhã  
Blogger antónio paiva said...

.....imagens produzidas, o sentimento humano, não será ele muitas vezes uma estátua? imóvel sem vida animica, sem vontade de evoluir, a aparência atrai, preferimos a beleza à inteligência, o orgasmo ao sentir, somos muito limitados de facto, como sempre gostei de te ler.....
Abraço

1:39 da tarde  
Blogger Eu said...

Eu conheço-a e nem a acho assim tão feia; já a estátua...

;)

bom fds

5:02 da tarde  
Blogger Artaud said...

bem, meu que cena! Gostei da tua escrita! voltarei ao teu blog

5:06 da tarde  
Blogger Mac Adame said...

Quem ama feio, bonito lhe parece.

11:58 da tarde  
Blogger Winterdarkness said...

Gostei muito deste texto e acho que a vida, às vezes, realiza aquilo a que chamamos "justiça poética"! Kiss

1:40 da tarde  
Blogger Andreia said...

muito bonito mesmo...

7:33 da tarde  

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