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terça-feira, janeiro 24, 2006

Auto Conhecimento

Entre amigos e conhecidos, eu inclusive, João sempre foi visto como uma pessoa que transbordava e partilhava boa disposição. Por onde passava emanava, uma áurea de compreensão, uma força divina de cumplicidade estonteante. A sua forma de viver roçava as fronteiras entre uma loucura contagiante e uma mente brilhante.
Desde pequeno, dizia ele, que tinha aprendido a controlar os sonhos. Começou por deixar de sonhar o que não queria para passar a sonhar com o que queria. No fundo tinha duas vidas, uma de olhos abertos e outra de olhos fechados.
Embora não tenha qualquer dúvida da realidade desses sonhos, durante o sono de João, posso afirmar que tinham tanto de fantástico como de incompreensível. A imaginação fascinante de João, era vista por alguns como algo muito próximo do delírio mental, alguns mas não muitos, sobretudo por gente que mal o conhecia. Felizmente eu tive o privilégio de conviver de perto com João.
Se não tivesse visto seria para mim muito difícil de acreditar, mas o certo é que os poderes mentais de João não se limitavam ao controlo e criação de sonhos mas também se alargavam a poderes telecinéticos. Movia pequenos objectos por acção da mente. O seu objectivo dos últimos tempos, antes de ter ficado como está, prendia-se com ampliar os seus poderes, para objectos de maior peso.
Lembro-me, perfeitamente, das suas ultimas palavras:
“ Tudo está ligado, nada está isolado. O mundo é um grande rio, uma corrente universal da qual fazemos parte. Tudo é uma grande melodia que vibra em uníssono.
A chave de tudo é o auto conhecimento, é estarmos em harmonia com essa grande sinfonia que liga tudo e todos. A essência! A essência! Tenho de ir à essência! Sei coisas! Sei que sei!
Tenho de me desligar de pensamentos, de hábitos e costumes, coisas que me afastam da essência, do «átomo», da partícula essencial da vida.Não posso ficar condicionado por pensamentos, tenho de atingir o «Eu Interior», a minha alma.
Tenho de atingir a energia divina a essência da natureza. Eu, tu, todos fazemos parte de um todo da mesma essência.
Tenho de ir ao infinitamente pequeno, ao vazio. Conhecer todas as partes do «Eu», a corda vibrante da vida.
Tenho de desprender-me de todos os pensamentos, conhecer-me profundamente, conhecer como as minhas partículas, as minhas cordas interagem com o todo.
Ah! O vazio! O vazio! Tenho de apagar todos os meus pensamentos e ouvir, plenamente sem interferência de pensamentos, a voz do mundo.”

Apôs estas palavras, ditas em forma de delírio energético, fez-se uma breve pausa, depois de forma repentina disse-me:
“Volta amanha, por volta das 10, agora tenho que meditar.
Verás que não só poderei mover qualquer objecto mentalmente, como desenvolverei poderes telepáticos.”

Estas palavras, para quem não conhece-se João nos seus melhores tempos, poderiam soar a insanidade, quanto a mim posso dizer que as levei bastante a sério, com grande admiração. Nessa noite praticamente nem dormi, a ânsia de ver os progressos do João eram gigantescas.
Pouco antes das 10 horas estava à porta de sua casa, toquei, bati à porta, berrei por João e nada, ninguém abriu. João teria saído? Achei estranho, ele nunca se esquecia de compromissos assumidos. Peguei na chave que uma vez me dera, dera porque estava sempre a esquecer-se da sua em casa, entrei e fiquei pasmado. João ainda estava em meditação. Estranhei porque João, nunca explicou porquê, dizia, apenas, que era prejudicial ficar mais de três horas em profunda meditação. Estaria ele toda a noite e já grande parte da manha em meditação? Reparei melhor, aquilo parecia mais estado de morto do que estado de meditação. Morto? Pensamento que me conduziu a um pânico imediato. Corri para João, medi-lhe as pulsações. Alivio! Respirei profundamente, o seu coração pulsava vida. Tentei despertá-lo em vão. João não tinha qualquer reacção, não respondia a qualquer estímulo.
Ainda hoje, passado quase um ano, João não reage a qualquer estímulo exterior. Internado no hospital, o seu estado vegetativo causa uma grande perplexidade no mundo da ciência médica. A sua actividade cerebral é praticamente nula. Embora não possa ser aceite, segundo dizem, de forma científica, a minha opinião é de que João na tentativa de se desprender de todos os pensamentos para atingir o «Eu Interior», foi progressivamente desligando todas as sinapses que pudessem gerar pensamentos. Atingindo assim o vazio, que tanto apregoava. A sua mente é tão vazia de pensamentos que não encontra uma sinapse que o traga de volta. Espero que um dia encontre o caminho de regresso, tenho esperança.

5 Comments:

Blogger Eu said...

mais um excelente texto (na minha opinião de leitor pasmado), só não gostei da parte do "tenho de atingir o «Eu Interior»", arrepiou-me.

6:53 da tarde  
Blogger Mac Adame said...

Hmmm... voltarei para ler com mais tempo. Acho que fiz uma leitura muito superficial.

8:50 da tarde  
Blogger Rita Sousa said...

estou como o macaquinho. mas isto é veridico?

10:05 da tarde  
Blogger alyia said...

Tenho de passar de novo para vasculhar bem este blog... se o fizer a esta hora e pelo que li, das duas uma ou dá um nó nos meus neurónios ou passo-me

1:44 da manhã  
Blogger Amaral said...

A tua história é fantástica e envolvente. O João tocou o conhecimento. Ele "desconfiou", "viu" e "uniu-se" depois àquilo que "sempre soube"!
O João "saíu" do mundo físico e enfrentou outras dimensões. Reconheceu o Todo e reconheceu-Se no Todo. O seu conhecimento, enquanto ser humano, tornou-se pleno.
Hoje, o João pode ter calado de vez a sua mente e preferido a alegria de "sentir" o divino…

1:53 da manhã  

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