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Localização: Trás-Os-Montes, Portugal

terça-feira, março 07, 2006

Guerreiro do Coração(III)

Os cumes das montanhas sorriam aos primeiros raios da madrugada. Em baixo, na planície, um rato, vasculhando cada pedaço de caminho. O Beija-Flor olhava, enquanto esperava o sol. À frente, dois metros à frente do rato, uma bolota, sem dúvida, aquilo que o rato buscava. Porque não iria logo, o rato, directo à bolota?
Não sabia, não percebia nada de ratos. Nem era agora tempo de aprender, tinha de treinar para conquistar a sua amada - Margarida.

Raios doirados, ainda a cheirar a orvalho, chegavam lentamente às flores do solo que se erguiam magicamente. Os raios são os dedos de um amante que tenta desesperadamente tocar a mão da sua amada. O amor busca a beleza que tem um poder magnético sobre os fascínios do coração. O Beija-Flor sentia o amor entre o sol e as flores com todas as suas penas, com o bico, com os olhos…. Os sentidos são belos, repletos de aroma, cor e brilho. A energia do amor é a harmonia da cor. Queria mostrar a Margarida todas as cores do mundo.
A alegria do corpo manifesta-se na exibição da plumagem, a maior beleza é aquela que se vê. Encantaria Margarida com a sua plumagem. Bastaria um olhar, um simples olhar de Margarida, e todas as cores do Beija-Flor entrariam na alma dela.
As flores são sementes de cor depositadas nas terras misteriosas da alma, regadas pelas águas do pensamento, colhidas pelos dedos da imaginação, moídas pelos moinhos do sonho… A cor é o pão do amor. Amor, o doce canto dos ouvidos, a delícia da vista, o beijo aromático do olfacto, arrepios doirados estampados nas penas, delírios do bico…
O sol erguia-se nas alturas irradiando carícias de cor, difundido sombras de prazer silencioso.
O Pavão exibia as suas resplandecentes penas espalhando beleza. O Beija-Flor queria aprender com o Pavão a colocar as penas em leque. O Pavão disse:
Que seria da floresta sem flores? A beleza é necessária como a madruga, ela fascina, cobre o mundo com o seu orvalho de magia, como se fossem lágrimas de encanto. Respirar magia é a louca fantasia da alma. Olhos que não vêem as misteriosas maravilhas da aparência são cegos, não vêem para lá do seu bico, são olhos que prendem a alma. O verdadeiro mistério está no visível….
O Beija-Flor ouviu com atenção e treinou, treinou até que as suas penas fizessem um precioso leque.
Procurou o Pirilampo e com ele aprendeu a acumular energia para jogar com as cores quando o sol faltasse. Com o Camaleão a harmonia da cor com a natureza.
Sentir é o pincel do pensamento, o sol a tinta, a imaginação a refracção da luz, as penas a tela.
O Beija-Flor percorreu todas as flores, todas as cores do violeta ao vermelho fazendo da alma o arco-íris. A alma o templo da magia. A alma e o corpo são um só, com a ajuda do sol levaria a magia da cor à pele e da pele às penas.
Levantou-se um poderoso vento que empurrou nuvens. A cor cinzenta apoderou-se do mundo. O vento parecia querer arrancar-lhe toda a beleza. O Beija-Flor deu duas voltas à faia e pensou:
«O apaixonado sem coragem queixar-se-ia do vento, do sol e da chuva. O apaixonado coberto de optimismo confiaria que o vento é passageiro e que o sol depressa regressaria. Eu aprenderei a ajustar as penas ao vento por mais bravio que este seja e a explorar todas as cores do sol por mais fraco que esteja pois tenho reservas de energia. O amor é uma fonte de energia inesgotável.»
O Beija-Flor voou alto, voou ao encontro da sua amada. Passou pelo rio e viu um lindo cisne branco a mirar-se na água. O reflexo do cisne parecia olhar para o céu, parecia que lhe desejava boa sorte.
«Quando dominar completamente as cores, a minha alma será o meu corpo, e poderei sempre que me apetecer ser branco como o cisne.»
Chuviscava, gradualmente chovia, e o Beija-Flor chegou ao pé de Margarida. Preparava-se para abrir a sua alma em leque, quando sentiu uma terrível bicada no dorso. Era outro beija-flor, o beija-flor que agora dominava aquele território. O Beija-Flor teve que fugir, mas não como um covarde. O Beija-Flor sabia agora que o medo é a cor da prudência. Covardia não é ter medo de lutar, covardia é não aprender a lutar, desistir de amar. «Já tive medo das alturas e aprendi a voar.»
A chuva esvaziara as nuvens, o sol raiava, cheirava a frescura. O Beija-Flor voava alto, olhou para baixo e viu a Girafa que bebia água. Nunca tinha reparado que a Girafa pudesse ficar tão vulnerável, com o seu pescoço ao alcance de qualquer predador. « Por vezes desejamos tanto expandir a nossa espiritualidade que nos esquecemos das coisas essenciais: Somos acima de tudo criaturas físicas.»

O Beija-Flor viu o rato, num lugar distante de onde o tinha encontrado de madrugada. Curioso foi ver se este tinha encontrado a bolota. A bolota continuava no mesmo sítio, perplexo aproximou-se e viu uma cova ao lado da bolota. Uma cova, o ninho de uma serpente.
« O amor é cego, embriagados com o seu fascínio queremos ver tão amplamente que descuidamos o detalhe passando por cima do óbvio. O caminho que leva ao amor tem que ser conquistado palmo a palmo.»
Aninhou-se na sua árvore preferida o cipreste, lembrou-se vagamente das palavras da Tartaruga e partiu pelos caminhos do sono. Sonhos coloridos de amor…

(Contínua)

14 Comments:

Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

"El camino que lleva al amor debe ser conquistado día a día (plmo a palmo)

Excelente exposición sobre el amor.

Tal vez sea la proximidad del Duero lo que te hace tan sensible.

El Duero nos arrastra y nos lleva.

Saludos. Concha.

10:00 da manhã  
Blogger greentea said...

sonhar ...é o que todos deveriamos fazer para construir novos mundos . e novos sonhos também. com cores.
beijos africanos e um bom dia, para ti.

10:28 da manhã  
Blogger Eu said...

se me deres licença Eu retiro esta frase do texto para tentar dizer uma coisa ao beija-flor "Por vezes desejamos tanto expandir a nossa espiritualidade que nos esquecemos das coisas essenciais" - NÓS MESMOS, SÓ.
passarinho, se a margarida não gostar das tuas cores habituais não te tentes pintar para que ela o faça, que as cores forçadas debotam ou perdem brilho com a noite... mostra-te como o costumas fazer, e depois, qd ela te aceitar, vais ver que tudo o que agora tentas aparecerá naturalmente

festinha nas penas

11:04 da manhã  
Blogger Misantrofiado said...

amigo Estróia, foi um prazer ter-te os olhos. Muito obrigado.
Eu cá vou engolindo cada palavra tua, cada peça que crias, como um vicio (bom)... mesmo que por vezes em silêncio!

3:29 da tarde  
Blogger Carlos Estroia said...

Anatema:
é pode ser que seja o Douro, ou talvez não tenha nada de sensível...
Mas que o Douro faz ver coisas faz, então quando se lhe bebe o sumo....

greentea:Que assim seja; obrigado pela dica da faia...

Eu: este passareco é novinho e tem muito que aprender...

Alice: volta sempre que quiseres.

3:33 da tarde  
Blogger antónio paiva said...

.....para não estragar direi apenas; delicioso.....
Abraço

5:08 da tarde  
Blogger Clarissa said...

Zen... ?!
Beijocas :)

5:22 da tarde  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Vengo a brindar contigo con un buen vino, de Toro o de Oporto. O de Trás Os Montes.

Brindemos amigo.

5:52 da tarde  
Blogger Elipse said...

esta história vai longe...
beijinho.

6:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Por vezes vejo-me nesse beija-flor...
Ainda bem que o beija-flor é novo...terá tempo para aprender o que o Eu disse...Gostar de si mesmo...
Mais uma vez parabéns...
Ansiosa pela continuação...
Beijo terno.

10:50 da tarde  
Blogger lena said...

gostava de ser uma Beija-Flor

saltei nas tua palavras onde poisei suavemente e sonhei

deliciei-me com o que li

beijinhos meus

lena

12:02 da manhã  
Blogger Mac Adame said...

Cansativo. Descansa, que não me refiro à tua escrita, mas sim à minha dificuldade em ler coisas longas directamente do computador. Pelo que tomei uma decisão: vou imprimir os capítulos deste folhetim e depois lê-los-ei com todo o prazer, sem estar colado ao ecrã.

Esta minha constatação faz-me ter a certeza de que, ao contrário do que alguns advogam, a internet nunca porá em risco os livros em papel impresso. Quanto aos textos propriamente ditos, continua, que tens leitores assíduos, independentemente do suporte que escolhamos para os ler.

12:24 da manhã  
Blogger Amaral said...

Estou espantado com esta história, mas muito mais com a densidade que nos pretende atingir através do humor. O Beija-Flor é um oceano de sentimentos. O amor flui como uma pena através de cada partícula de cada personagem. Vou fixar esta: "A energia do amor é a harmonia da cor"!...
Como o amor também é mulher, o meu post vai inteirinho para ela, neste dia 8…

12:43 da manhã  
Blogger Winterdarkness said...

Eu ainda vivo fascinada pela beleza e pelo amor... Beijo.

3:08 da tarde  

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