Sátiras

Nome:
Localização: Trás-Os-Montes, Portugal

terça-feira, fevereiro 28, 2006

Desculpa

Este blog tem ficado ao abandono, por motivos de trabalho.
Amanhã regressa à normalidade, o blog,

Abraços para todos e desculpem não ter avisado antes

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

O guerreiro do coração (I)

Via a flor de lótus abrir-se e voltar-se para o dia que nascia.

Brincava com o vento, fazia piruetas no ar, exibia a sua plumagem colorida e brilhante ao sol, fazia malabarismos e dava cambalhotas. Gostava do vento intenso do Norte, dava-lhe força e resistência. Cantava e dançava jogos de cor e alegria entre as flores. O seu coração, mais rápido que um relâmpago, atingia as 2000 vibrações por minuto. O Beija-Flor amava a vida. Logo pela manhã adorava sentir as brisas aromáticas, olhava o salmão que subia o rio, não se deixava levar pela corrente, por mais impetuosa que esta fosse, o salmão tinha vontade própria. O Beija-Flor aprendia muito com o salmão, batia as asas criando o seu vento, ia para onde queria. Passava pelo limoeiro para respirar a sua verdura e vitalidade. Passeava pelo bosque, contornava árvores, ouvia o rio, banhava-se no orvalho matinal e secava-se nos raios de sol.
O seu coração batia ávido de delírios e desejos de cor. Acelerava as asas em velocidades vertiginosas, vagueando em contornos coloridos, depois abrandava em suaves fragrâncias, mergulhava o bico em doces néctares, sorvendo aromas em beijos de prazer. Sentia-se o correio genético das flores e estava feliz, caçava instantes como se fossem pétalas. Entregava os seus enigmas, medos e devaneios ao vento que saberia o que fazer com eles.
Freneticamente as asas digeriam prazeres que raiavam na alma. Sereno o corpo, liberta-se a mente em contemplação, olhava para as flores da acácia e lembrava-se de um amor secreto e sentia paz e serenidade, o amarelo doirado como bolas de oiro transmitiam riqueza, felicidade, mas também mistério, não podia beber do seu néctar pois era venenoso. Sabia também que o antídoto para o veneno era as próprias raízes da acácia, chamava-lhe a árvore da vida pois a vida é feita de contrários, aprendia com a acácia que para todos os males há uma cura por mais enterrada que esteja. O brilho das suas flores cegavam como o sol, não se pode olhar sempre na mesma direcção pensou. E dela por mais pureza alucinante e real que se tenha, o coração continua a vibrar por novos desejos.
Subiu ao topo do cipreste e por momentos sentiu-se imortal. Desceu entusiasticamente, relaxou o corpo nas flores do absinto numa atmosfera de paz e tranquilidade e embriagou-se com a imensidão do céu azul. Descansou. Ganhou forças voou para a laranjeira e por momentos uma onda de vitalidade percorreu-lhe o corpo, parecia que tudo se podia realizar. Percorreu todas as flores, respirou perfumes, voou para trás, para o lado, para a frente…
Ao fim da tarde esfregou o bico em deliciosos morangos, e foi cheio de encanto cantar lindas melodias a quem amava. Esta pouco ligou, ainda não era época, mas não desistiria, amanhã voltaria, que quem ama não desiste.
Antes de se deitar olhou para a Lua, a Lua tem duas faces, é como os sonhos em que uma das partes borbulham ao acordar e a outra ficarão como mistérios ocultos nas estradas da imaginação, no fundo como a vida.

Viu, já num leve e lento palpebral, a flor de lótus que se fechava para mergulhar na água, também ele fechava os olhos para mergulhar em sonhos. Amanhã seria outro dia!

(contínua)

Nota1: Dedicado à Alyia
Nota2: Ainda não sei quantas partes são ( no mínimo 3), mas também não interessa visto que cada parte pode ser lida como uma só independentemente das outras

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

A árvore

Jacinto, perfeccionista por natureza, dizia vezes sem conta: “Se queres uma coisa bem feita fá-la tu mesmo.”
Já a dar as últimas, tinha uma doença mortal, repensou toda a sua vida, reparou que dele, para além do seu querido filho, nada nascera que ficasse para além de si, um erro, uma obra, uma simples frase, qualquer coisa que brilhasse ao sol para lá da sua existência. Decidiu que se tinha de morrer o faria pelas suas próprias mãos, uma morte perfeita portanto. A morte é imperfeita por definição, visto acabar com a vida, não podendo contrariar tal facto veio-lhe uma ideia à cabeça: sobre o seu corpo plantaria uma árvore, da morte alimentaria vida, a árvore seria o seu legado algo que cresceria ao sol.
Pediu, num dia em que chovia a cântaros, a Roberto, ainda jovem, que fosse com ele à floresta, para enterrar o seu corpo, este julgou que Jacinto não devia ter os 5 litros bem aferidos, mas como era a última vontade de um condenado lá acabou por aceitar. Roberto enterrou o corpo de Jacinto, sobre a sua campa plantou um amieiro e nada disse, fosse a que alma fosse.

Jacinto Filho lembrou-se, não se sabe bem porquê, que o seu pai, Jacinto, lhe tinha transmitido, um dia há muitos anos, um desejo – que o seu corpo fosse cremado depois da morte. Também não se sabe porque diabo, Jacinto Filho, julgava que o corpo do pai estava sepultado na floresta, vai daí, sem meias medidas, mandou incendiar a floresta.

O amieiro queimado lá consegui rebentar uns ramitos, rejuvenesceu e tornou-se mesmo numa bela árvore maior que todas as outras. Tão grande que quase chegava ao céu.

Jacinto Neto, filho de Jacinto Filho, tinha uma horta, coisa pouca, onde cultivava todos os seus comeres. Aí por meados do Verão, uma praga de melros, finos como ratos, depenicavam toda a colheita. Mais esperto que um melro era Jacinto Neto, carpinteiro de profissão, fez um espantalho tão bem feito que a passarada foi pregar para outra freguesia.
Certo dia uma trovoada torrencial que aquilo deitava faísca por todos os lados e chovia ao Deus m’ acuda, levou o espantalho para o ribeiro e daí para o mar. Que cargas d’ água o levaram ao alto mar é que todos desconhecem. Seja como for ainda bem que lá foi parar, ali por aquelas bandas um navio tinha naufragado.
Um padre, naufrago, já velhote viu no meio daquela escura e diabólica tempestade o espantalho. O padre, padre por devoção ou quem sabe por imposição da consciência, agarrou-se com toda a alma ao espantalho e veio dar à costa são e salvo. Milagre! Milagre, disse o padre Roberto.
Quem assim salva, das escuras e tempestuosas profundezas, só pode ser santo, todo o santo tem direito ao seu santuário. Toca então de fazer um santuário ao Santo dos Náufragos. O local para o Santuário é que criou polémica, uns votavam no local à beira mar, por razões óbvias; outros diziam que na montanha é que era, que dali podia ver melhor os navios em perigo. Ganharam os adeptos da montanha, nisto de lugares para santos ganham sempre os que ficam mais perto do céu, tem lógica. Construiu-se então o santuário na montanha mais alta das redondezas.
Jacinto Neto padecia dum mal que lhe consumia a saudinha toda. Nunca foi muito com essas coisas de santos, mas o desespero traz coisas à cabeça que nem ao diabo lembra. Foi com uma grande dor d’alma que visitou o santuário do Santo dos Náufragos, o santo não era propriamente o mais indicado, mas era sem qualquer dúvida o que ficava mais perto. Entrou no santuário e depressa reconheceu o santo, aproximou-se e disse-lhe baixinho: Estou a reconhecer-te! Com que então subiste na vida! Ainda a uns anos eras um espantalho e agora estás ai nesse rico pedestal adornado em oiro! Olha, não invejo a tua riqueza, vamos fazer o seguinte trato: Tu curas-me do meu mal e eu não digo a ninguém que és feito do mesmo amieiro que os sócos que trago calçados.
Regressou a casa, passou pelo tronco que outrora foi o maior amieiro e reparou que deste brotava já um ramito comprido, tirou algumas folhas fez delas um chá que tomou.
Não se sabe se foi o chá de amieiro, se foi o tempo ou o santo, mas a verdade é que o mal passou algum tempo depois. Jacinto Neto, julgou que foi o chá e desde então, nas épocas de secas, vai levando um baldito de água ao amieiro.

Nota: Dedicado ao amor que a Bitta (http://diariobitta.blogspot.com/ ) tem pelas árvores.

Decisões Absurdas (V)

Indeterminação
O Grande Matemático estava convicto, outra coisa não seria de esperar, que toda a Natureza se pode compreender pela Matemática e tudo se pode «matematizar». Em primeiro lugar «matematizou-se» a si mesmo e viu que era uma indeterminação. Ao levantar a indeterminação descobriu, sem uma demonstração que pudesse ser aceite, que provavelmente tendia para zero. Para ter a certeza que era um zero concorreu às Presidenciais. Quando ganhou multiplicou-se logo por inúmeras tarefas. O Presidente da República quando chegou ao fim do mandato verificou que qualquer das tarefas, que tinha abraçado, produzira resultados nulos. ( Presidente * Tarefa=0, Qualquer que seja a Tarefa, pensou sem margem para dúvidas que era de facto um zero.)

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Decisões Absurdas (IV)

Coerência
Chegado da feira, perguntou:
- Mulher já deste de comer aos cães?
- Já.
- Ó minha grande vaca, então os cães comem primeiro do que eu?
Deu um arraial de porrada na mulher para esta não se voltar a esquecer.
Na feira seguinte, novamente quando chegou a casa, voltou a perguntar:
- Mulher já deste de comer aos cães?
- Não, estava à tua espera para jantarmos.
- Ó minha grande vaca, então estão os cães sem comer até agora?
E voltou a malhar na pobre mulher.

Vício
Estava completamente viciado nos seus sonhos, de tal forma que despertar e manter-se acordado era um pesadelo insuportável. Uma vez abateram-se sobre ele terríveis insónias, durante alguns dias, extremamente penosas. Para adormecer tomou um frasco de soporíferos. Dormiu profundamente e inundado em sonhos durante 24 horas. Despertou sobressaltado cheio de suores frios. Repentinamente fechou os olhos para nunca mais acordar. Morreu de overdose.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Decisões Absurdas (III)

Negócio Seguro
Sempre desejou trabalhar por conta própria. Apenas uma coisa o impedia - a incerteza, não gostava de coisas inseguras. Se um dia abri-se um negócio era fundamental começar com o “pé direito”, a importância do começo é vital para o futuro do mesmo. Um dia percorreu-lhe a mente o seguinte pensamento: “ A morte é segura, todas as pessoas morrem, todos são potenciais clientes, logo uma funerária é o negócio ideal, o mais seguro”. Abriu uma funerária. Quando no final do dia da inauguração ninguém apareceu resolve forçar o aparecimento do primeiro cliente. Morreu com uma bala na cabeça.

Precipitação
Detestava medicamentos, sentia uma enorme repulsa por qualquer coisa química. Tinha um problema de disfunção eréctil. Com ajuda de um anel de ferro fundido que colocou no pénis e de um íman resolveu o problema. A sua parceira não ficou satisfeita com o método, não gostava de homens com ejaculação precoce.

Vozes naturais
Amava a Natureza, queria ser parte integrante da mesma, ter uma consciência cósmica, sentir o mar, sentir o vento, sentir a Terra e a Lua. Sentir, sentir, sentir é pensar com o coração. Pensou e pensou, sempre com o coração, um dia reparou que os seus pensamentos se processavam ao batimento cardíaco, bate-pausa, bate-pausa… Para além de pensar só com o coração, passou também a falar ao ritmo do mesmo. Os outros não entendiam e chamavam-lhe – gago.

Homenagem
O Grande Escritor era contra qualquer tipo de poder, principalmente os poderes contra a criatividade. Segundo ele o Anarquismo de pensamentos era condição necessária para a originalidade da obra literária. Achava, pensamentos que deixou bem patentes na sua imensa obra, que o maior crime cometido contra a criatividade é a eternização de símbolos. Sobretudo símbolos dedicados a grandes pensadores. A Terra que o viu nascer, após a sua morte, construiu e ergueu a maior estátua, de que há memória, em sua homenagem.

sábado, fevereiro 18, 2006

Decisões Absurdas (II)

Traição
Tinha náuseas só de pensar que um dia pode-se ser traído por uma futura esposa. Estes sintomas, de um medo repugnante, levaram-no a procurar a mulher mais feia que pudesse existir. Casou então com a mulher mais feia que encontrou. Um dia descobriu que tinha dupla personalidade. Suicidou-se, para colocar um ponto final na traição.
Fidelidade
O que mais valorizava na vida era a sua auto-estima. Pensava que a maior humilhação que uma mulher podia sofrer era a traição, um mal que colocaria em causa a sua auto-estima. Casou apenas quando descobriu um homem. Esse homem achava que “ o «pito» é todo igual independentemente da mulher que o carrega". Viveu feliz para sempre, nunca foi traída pelo marido.

A força da expressão
Não compreendia o porquê de ninguém o entender, não encontrava uma explicação lógica. Vivia desolado pelos problemas de comunicação, “ninguém me compreende” dizia vezes sem conta. Os outros não compreendiam, as suas expressões, as suas palavras, precisava de aceitar esse facto, não encontrando nenhuma razão plausível para isso resolveu criar uma desculpa palpável, uma desculpa real. Colocou na língua meia dúzia de piercings que lhe tiravam a capacidade de emitir sons decifráveis, apôs isto conseguiu engatar uma “gaja”, finalmente tinha sido entendido.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Manias

Uma vez por semana tinha que comer uma alheira, bela refeição a única que merecia um copo de vinho sem demais companhia. O gosto pelo vinho é uma coisa que lhe vinha da terra, o vinho sempre foi o maior símbolo da humanidade representa euforia, dança, prazer, tragédia, teatro, etc, enfim tudo que o homem sonha ou viva. Que são os sonhos se não uma outra forma de vida? A Carne somos aquilo que comemos. A Alma somos aquilo que bebemos. Por isso tirando a alheira que junta todos os genes, o BOM e o Belo, decidiu, e bem, como filosofia de vida nunca separar a Alma da Carne, então sempre que um copito aquecia a Alma, tinha para a Carne, ora um presuntinho, ora um salpicão ou linguiça e só não sendo possível é que não havia umas azeitonas (para enfeitar a travessa). Azeitonas não é carne, dizem uns e com razão, não é carne mas é a cura (da carne), desde os primórdios que o azeite, principalmente o virgem, que é ligado a mezinhas. Além do mais a Carne também precisa do Belo, o enfeite da travessa, que a beleza não é só interior. E então a Alma não precisa de beleza exterior? Claro que sim, e fica aqui dito que a beleza exterior para a Alma é a música, que a faz vibrar. Existira então maior música que a companhia de amigos? Claro que não. Então bebia o seu vinhinho sempre bem acompanhado, a alheira é que não precisa de amigos, tem muitos saberes de gerações, cada alheira tem milhares de Almas ali enchidas.
- O amigo acompanha-me?
– À guitarra ou ao violino?
- A casa se faz favor que a Carne não acompanha a Alma (quando esta entra em êxtases amorosamente tintos)
Chegado a casa adormecia sempre para o mesmo lado, o esquerdo, isto fazia pensar que a Alma era ditadora, estava sempre do lado direito, para brincar aos sonhos sem ter a pressão da Carne com o colchão.
Não sei se para acordar o corpo ou não, o certo é que tomava sempre um café antes de comer qualquer coisa quando se levantava. Se trabalha-se em casa e no computador tinha sempre a porta da varanda aberta por mais frio que estivesse, devia ser saudades da sua terra, mal também não fazia sempre ouviu dizer que enrijecia os ossos. Um dia trabalhava então em casa, de porta aberta, tinha bebido uns copitos, a alma tontinha de amores tintos, foi apanhada por um vento que entrou sorrateiro. Sentiu, a Carne sentiu, a Alma a esvoaçar, sumiu foi com o vento. Ainda hoje ningém sabe para onde a Alma foi, nalguma vinha estára certamente, banhada pelas águas do D'Oiro. Continou a beber vinho não para alimentar a sua Alma, não para a esqueçer, mas para a recordar, tilintante, tintinha, tintinha, tontinha saudades, saudades...!!!!!!!

Ao desafio deixado pelo Beatriz(http://levonocaparromasoufeliz.blogspot.com/ ), acabei por participar nesta brincadeira a que não acho grande piada, mas como foi a Beatiz a pedir e quanto mais gente participara mais depressa acaba resolvi participar. Arranjar participantes é que é difícil, visito poucos blogs e a maior parte dos blogista que visito já participaram nesta mania.
Chamo entâo a participar o Al (http://onzelapsos.blogspot.com/), o Chuvamiuda (http://coisas-do-burro.blogspot.com/), a segurademim(http://preencherovazio.blogspot.com/), a Bitta (http://diariobitta.blogspot.com/) e Mendes Ferreira(http://mendesferreira.blogspot.com/)
Regulamento: «Cada bloguista participante tem de enumerar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que o diferenciem do comum dos mortais. E, além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do "recrutamento". Ademais, cada participante deve reproduzir este "regulamento" no seu blogue.»

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Decisões Absurdas

Precaução
Vivia num pânico obsessivo, achava demasiado fácil um árabe entra no comboio e fazê-lo explodir. Um dia, ainda na estação, vê um grupo de árabes, olhando para as vestimentas suspeitas destes, resolve agir.
Por precaução mandou a estação pelos ares …

Segurança sentimental
Atordoado por dilemas emocionais, aprisionado pelo amor, tinha de se libertar das teias sentimentais, tinha de tomar uma decisão. Amava duas mulheres, apenas podia ficar com uma. Decidiu escolher aquela, que menos dor de cabeça lhe dava, a que mais segurança emotiva lhe transmitia. Decidiu então pela que menos amava.

Recordações
Vivia cada momento da vida de forma tão intensa que não tinha espaço para recordações. Um dia bateu com a cabeça, apoderou-se dele um esquecimento tal que nem sabia quem era. Não tendo recordações achou que nunca tinha vivido. Estava mesmo convicto da sua inexistência. Para provar a sua inexistência decidiu fazer uma demonstração por absurdo. Deu um tiro na cabeça para provar que não podia morrer pois não estava vivo. O certo é que não se lembra de ter morrido.

Espírito do Contra
Tinha um medo atroz da morte. Sem outro remédio, e contra vontade, não lhe restando alternativa resolve ir ao psicólogo. Este disse-lhe que tinha de enfrentar os seus medos, para o contrariar resolve fugir da morte e viver a vida.

Código Deontológico
O jornalista matou um homem, deu a notícia em primeira-mão. Cumprindo o dever de informar, noticiou o paradeiro do cadáver sem nunca divulgar a fonte da informação.

Reservas de energia
Vivia sobressaltado só de pensar que um dia seria velho. Achava indigno ser-se velho, não podendo fugir da velhice só a podia viver se guarda-se para a 3ª idade os maiores prazeres da vida. Decidiu nunca ter qualquer acto sexual até garantir a reforma. Quando se reformou não teve qualquer erecção, não ficou desiludido, soube de outros com a sua idade que também não tinham, a única diferença é que os outros tinham gasto todas as erecções na juventude.

Mitologias(I)- Prometeu

Prometeu, agrilhoado ao Caucáso, dilacerado eternamente, sofria amargamente. Uma dor amarela despedaçava-lhe a carne acorrentada em martírios, bicadas de profunda agonia abriam-lhe as janelas para as ruas do sonho. Sabia que amava, não sabia quem, a dor faz esquecer o alento do coração.
Quem também sonhava era a águia, por novos prazeres. Sempre a mesma carne, sempre o mesmo fígado azedo de tanta exposição. Que raio! Sempre a mesma coisa, sossega o estômago, mas não alimenta o espírito. Partiu em busca de novos sabores, novas formas que lhe aguçassem o apetite pela vida.
Prometeu fechou os olhos não suportava tamanha escuridão, tentou encontrar dentro de si alguma luz, algum amor esquecido no tempo. Tudo negro, abismais trevas abraçavam a alma. Abriu os olhos, um silêncio arrepiante embatia-lhe no corpo nu. O vento sôfrego nada trazia para além de uma ausência de sons. É da ausência que nasce a saudade. Saudade, as asas longas do amor. Agora sabia quem amava, amava a águia. A solidão é um tormento, mil vezes as portentosas garras do amor. Não existe amor sem dor. A solidão é insuportável, não há Deus que resista a tão assombrosa miséria.
Prometeu morreu sozinho. A única coisa que pode matar um Deus é ninguém se lembrar dele, é a solidão.
A águia procurava presas em vão, apercebeu-se mais tarde que também ela estava condenada a comer sempre da mesma carne. Regressou para a sua presa, um assombroso desalento abateu-se sobre a águia, sem alimento nem caça estaria agora condenada a vaguear pelo mundo como uma alma penada.
A Alma de Prometeu tentou o Olimpo, negaram-lhe um lugar pois todos os Deuses têm medo da solidão. A Alma de Prometeu coberta por uma manta de solidão bordada em fios de um amor dilacerantemente masoquista, restava-lhe apenas um lugar onde habitar eternamente, no coração da sua Criação.
Todos os homens sofriam de solidão quando descobriram o amor carnal nas garras afiadas de uma águia. Eis a salvação!
O Amor tem um campo de visão longínquo, pobre da águia que não se livrou de comer sempre da mesma carne, mas antes isso que ser uma alma penada.

Coisas Simples

  • Estou sempre apregoar coisas simples. Então aqui vai uma coisa simples, que diz tudo de mim e que os outros tópicos(post's) nada dizem. Claro ( e aqui pode parecer um paradoxo) que isto é o mais trivial possível. Gosto de vinho, gosto de Jesus Cristo o primeiro falsificador de vinho ( da água fez vinho), é o meu Deus. Gosto de Mirandela, a terra onde o Bom e o Belo se confudem. Gosto de uma forma mística de Carrazeda de Ansiães, terra onde se dá tudo, azeitona, maçã ( a melhor do mundo), amendoa, castanha, cereja , etc., e principalmente vinho. O Vinho do Porto é maioritariamente produzido nesta zona ( para quem não saiba), bem como o Vinho do Douro, Não sei se são laços maternais ( a minha mãe é de Carrazeda) que me prendem a esta terra, mas acho que as pessoas são tão simples como as terras onde nascem. Se querem ver beleza nas pessoas vão a Carrazeda, a beleza da Terra onde se dá tudo. Banhada pelo rio Douro ( rio D'oiro), por si só diria tudo, então vou deixar assim para não estragar.
  • Que me desculpe a Greentea (http://fasesdalua2020.blogspot.com/) mas não é em Sintra que existem os verdadeiros mistérios, mas sim em Carrazeda a Alma Lusa. Alma Lusa, a verdadeira portugalidade, leram bem, para quem não conhece façam o favor de visitar.
  • Nota final: Aqui não há nada que comentar, só para quem gostar da vinhaça é que pode (é desculpável) comentar.
  • Abraços para todos, mesmo para os que não gostam ( da vinhaça). Este tópico é unico e não volto a falar de mim, por sinal provavelmente será o unico que não interessa.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

O Ideal

Enterrado na areia, no meio do deserto, sacrificava a cabeça num sol abrasador. Desidratava-se em lágrimas enxutas pelo pó. Daria todo o seu oiro e sangue pela gota da salvação.
Chegou, um homem que partilhou da sua água, não quis o seu oiro nem tão pouco agradecimento especial, apenas pediu que espalhasse a quem ali passasse o amor e o carinho pelos necessitados. O Enterrado na areia agradeceu com toda a sua alma, e prometeu pelo seu sangue que assim o faria.
Veio uma linda mulher, o Enterrado na areia, contou-lhe do gesto nobre do homem que ali passou que nada em troca pediu. A mulher enternecida pela grandiosidade do homem que ali passou deu-lhe um beijo doce de ternura para matar a solidão do Enterrado na areia. Também nada pediu em troca além de que voltasse a espalhar a mensagem de carinho e amor pelo próximo, por quem ali passasse.
Chegou o Coveiro, o Enterrado na areia estava desmaiado e nada disse, então o Coveiro mediu-lhe as pulsações, apercebendo-se que o Enterrado na areia estava vivo, desenterrou-o e transportou-o para um lugar à sombra. O Desenterrado despertou, não se lembrava de nada, apenas sabia que tinha de passar a mensagem de amor entre os homens. O Coveiro respondeu que tinha perdido a fé nos homens e não acreditava no Amor Entre os Homens, durante a sua vida já o tinha enterrado muitas vezes. O Desenterrado partiu e nunca desculpou ao Coveiro, o seu desinteresse pela humanidade." São as sementes do mal que nos colocarão um dia às portas do Inferno", disse o Desenterrado.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Sem Cérebro II

(continuação do Sem Cérebro)
Morreu o homem santo, Santo Anacleto - o Salvador, a beatificação não demorou tal a quantidade de milagres que surgiam em catapulta. O primeiro sintoma de divindade aconteceu logo no seu funeral sob a forma de um intenso e agradável cheiro oxigenado.

II
(A Origem do Mal)

Passaram-se 35 anos, Santo Anacleto é hoje adorado, por todo o mundo proliferam estátuas sublimes em sua homenagem. Não é caso para menos, os homens amam hoje a natureza de uma forma nunca antes vista. No entanto é necessário amar com mais fulgor, o oxigénio continua a escassear.
Para além do oxigénio outra coisa, talvez mais grave, preocupa a humanidade, um bebé que fala, três meses não terá mais que isso. Falou, agora deixou de falar quando reparou que era olhado com desconfiança. Insegurança é coisa que também não falta, justificada certamente, foi realizado um TAC ao insólito bebé e verificou-se que não tinha cérebro. Se não tem cérebro não é humano, não sendo humano gasta oxigénio desnecessariamente. Muito mais grave é ir contra a Natureza, uma blasfémia ao Salvador, tudo que contradiz o Amor pela Natureza vai contra Santo Anacleto, ir contra o padroeiro da humanidade é negar-lhe a existência, isso é crime, morte então a esse ser esquisito, aberração do anti-Natural, o demónio portanto.
Morte nem todos estavam de acordo, resolveu então fazer-se um referendo.


Carta do Dr. Jung a um jornal de tiragem mundial:

Venho por este meio tentar elucidar, pelo pouco que sei, o grande desconforto que este bébé aberrante trouxe às pessoas de Bem e amantes da Natureza. Vou tentar elucidar, mas quero já mencionar que, infelizmente, não trago boas naturezas (boas novas). Temo que esta criatura não seja a única viva, bem pelo contrário, provavelmente serão milhares. Antes de mais vou esclarecer algumas coisas que tem sido transmitidas e de forma errada por todos os jornais mundiais inclusive este, prestigiadíssimo jornal em que escrevo. Ao contrário do que se vem dizendo a criatura aberrante tem cérebro, antes não o tivesse, tem é a caixa craniana vazia. Cada célula destas criaturas das trevas é um neurónio, ou seja todo o corpo é um gigantesco cérebro, tendo a vantagem, em relação a nós de os seus processos neurobiológicos, centros de decisão, se encontrar muito mais perto de cada órgão e como consequência existe nelas uma actividade cerebral muito mais acelerada, intensa e eficiente que nos humanos. Estes seres do inferno são terrivelmente pensantes, falta-me o oxigénio só de imaginar os planos diabólicos que provavelmente estarão a maquinar. O incrível é que nascem já com elevados conhecimentos, dominam a fala na perfeição, parecem saber tudo sobre geografia, até ao que parece tem elevados conhecimentos sobre genética. Impossível(?) dirão alguns leitores. Quem dera que fosse! Quem dera! Que nos proteja Santo Anacleto! Tenho provas daquilo que estou a dizer, em primeiro lugar esta besta sob a forma enganadora de um bébé, não é o primeiro. Mantive até agora em segredo, eu e o corpo científico para a Natureza, aquilo que aqui vou revelar . Há um ano atrás descobrimos a primeira criatura abominável, num dos desertos próximos de Lisboa. Pareceu-nos como é óbvio um bébé, estranhamos como podia sobreviver em tão intenso calor e com falta, quer de oxigénio quer de alimentos. Procuramos nos arredores e descobrimos uma carcaça adulta que nos parecia um humano, impossível de reconhecer pois tinha a cabeça rachada, completamente descaracterizado como se algum diabólico ser tivesse irrompido em seu crânio. Levamos a carcaça bem como a cria para os tratamentos adequados. Chegados ao laboratório, em primeiro lugar alimentamos a cria, depois fizemos testes ao código genético dos dois, resultados completamente inacreditáveis, incrédulos e assustados, repetimos vezes sem conta os testes, sempre os mesmos arrepiantes resultados. As criaturas tinham o mesmo código genético, um código genético embora parecido não humano, a cria era um clone da carcaça. Reparamos, apôs vários estudos, que a cria tinha um crescimento acelerado, penso que no espaço de mais ou menos 18 meses poderia atingir a idade adulta.
Outra coisa que se diz, e mal, é que a criatura consome oxigénio, nada mais falso estas criaturas libertam oxigénio pela sua expiração, segundo me parece tem um processo parecido com a fotossíntese, não é então de estranhar que uma destas bestas possa sobreviver no deserto. Conseguem mesmo alimentar-se de minerais, mais impressionante ainda é que podem alimentar-se de quase tudo. A nossa salvação talvez seja, é apenas uma suposição, o facto de estas criaturas não atingirem mais de 35 anos, tendo então que se clonar. As criaturas mais velhas vivem portanto entre nós e passam despercebidas, são demasiado parecidos com os humanos. A única vantagem que temos é o tempo, são esses 18 meses que levam a regenerar-se e voltar a assumir a identidade anterior.
O mais terrorífico dos males, sendo estas criaturas todas do sexo masculino conseguem reproduzir-se com os humanos, temo que isso já tenha acontecido em grande escala. Não é difícil a reprodução, podem facilmente arranjar parceira para os seus medonhos instintos de procriação, visto serem criaturas inteligentíssimas, geralmente com boa aparência, portanto bem sucedidos, e que irradiam uma frescura aromática e oxigenada que atrai vorazmente o sexo feminino da espécie humana. A criatura nascida desta relação é a primeira, a origem dos clones sucessivos, a besta assim nascida é mais difícil de detectar visto ter um crescimento em tudo igual às crianças humanas.
Como já disse estas criaturas são demasiado parecidas connosco. Demasiado parecidas, para podermos viver em paz com elas. Temos que reconhecer que são muito mais fortes que nós, adaptam-se melhor ao meio, ao agreste ambiente do nosso planeta. Se não tomarmos medidas urgentes temo que o fim da humanidade esteja para breve.
O referendo não tem razão de existir morte a essa criatura já. Proponho ainda, não que me agrade, mas espero que Santo Anacleto possa iluminar o vosso caminho como iluminou o meu, proponho então que se matem em prol da sobrevivência da humanidade todas as crianças do sexo masculino que tenham idade inferior a 15 anos, e que a durante dois a três anos seja proibido engravidar. Que a verdura de Santo Anacleto oxigene os vosso pensamentos.

Atenciosamente
Dr. Jung Herodes

Nota: Este conto pode ser lido como um só bem como a primeira parte, no entanto para uma melhor compreensão convém ler primeiro a parte I)

Sem Cérebro


I
( O Salvador)


Ano 2100.
Anastácio da Silva foi hoje condecorado, pelo Presidente da República, tão singular homenagem, embora tardia, deve-se aos seus grandes feitos em prol da humanidade. O Homem pode agora sorrir para o futuro, embora Anastácio não o consiga fazer e talvez nunca mais tenha essa simples capacidade que nos parece tão leve como o bater de asas duma borboleta.
Todos os países já ofereceram ajuda, com os seus melhores cirurgiões e outros elementos ligados à ciência médica, para tirarem Anastácio do estado vegetativo em que se encontra há mais de 2 meses.
Anastácio também conhecido pelo Homem Verde ganhou fama graças à construção de uma nova esperança para a sobrevivência do Homem.
Nem sempre foi conhecido pelo Homem Verde, alguém lhe colocou esta alcunha há cerca de três meses, ganhando grande divulgação a partir do momento em que entrou neste estado de profundo coma.
Alcunhas foi coisa que nunca lhe faltou, ora conhecido como o Tarado Sexual, sobretudo pelos homens, ora conhecido pela Máquina Sexual, devido ao seu elevado desempenho no sexo oposto. Os seus atributos naturais aliados ao precioso charme, segundo dizem, faziam dele um alvo sexual da espécie feminina. Graças à sua frase difundida nas revistas da moda, «Ao Natural é que é bom.», não é de estranhar que tenha espalhado por esse mundo fora, inúmeros descendentes.
Anastácio, o Homem Verde, não era tarado sexual por paranóia ou filosofia de vida, era assim por vício. Viciado em sexo portanto.
Tudo começou ainda jovem. Anastácio era contra a intolerância biológica. Nada esquisito visto cada homem ter apenas duas alternativas, ser Heterossexual ou Homossexual. O bissexualismo, segundo o Homem Verde, não passava de uma mistura algo indecisa entre o Homossexualismo e o Heterossexuais. Duas alternativas! Que raio! Está bem, há sempre a zoofilia, mas isso não passa de pura taradice.
Quando entrou para a Universidade escolheu o curso de Botânica, não foi a primeira opção mas não ficou desiludido. A primeira opção era Física, o seu intuito era apenas descobrir uma forma de dar uma foda quântica.
Com o curso de Botânica teria emprego assegurado, é o curso que actualmente tem mais saída. É preciso ver que devido ao efeito de estufa, aquecimento global do planeta, etc., estamos num tempo em que árvores são escassas, praticamente inexistentes. O pior não é a escassez de árvores é a falta de oxigénio. A falta de oxigénio como seria de esperar embora nunca nada tivesse sido feito em contrário coloca em perigo a humanidade, quer devido à falta do mesmo quer devido à alimentação escassa também provocada pela falta de oxigénio visto os animais não conseguirem sobreviver.
Anastácio, brincalhão com as meninas era também um excelente aluno, tirou o mestrado e logo em seguida o doutoramento em genética.
Foi na altura em que tirava o doutoramento, e por conseguinte aumentava os seus conhecimentos na genética, que descobriu que o seu vício pelo sexo não era psicológico mas sim um problema fisiológico, durante o orgasmo não produzia as quantidades mínimas de testosterona para se sentir realizado. Não produzia testosterona mas produzia uma substância que embora inofensiva ao nível neuronal causava dependência física.
Impulsionado pelos seus conhecimentos, pela tentação de se curar do mal que o desgastava e ainda pela sua intolerância biológica, meteu mãos à obra. “Inventou” uma planta transgénica parecida com uma mulher. Parecida é uma forma exagerada de dizer, parecida na forma talvez seja mais correcto. A «Planta do Amor», assim conhecida tinha um tronco algo parecido às pernas de uma mulher do joelho para cima, crescia na vertical até mais ou menos a altura da cinta, onde se arredondava com as ancas de uma mulher vista de costas, e depois crescia na horizontal formando na extremidade algo parecido com uma cabeça. A planta tinha “cabelos”, rama que brotava da cabeça em forma de uma trepadeira, tinha “seios” com a forma de uma manga cortada a meio, tinha mamilos com a forma de morango. Todo o tronco tinha uma casca parecida à da maçã, a “vagina” tinha uma textura exterior parecida à casca de Kiwi, o interior era parecido com os gomos de uma romã sumarenta, mesmo os olhos eram parecidos com duas tulipas que emanavam uma excitante fragrância.
Se bem que agora Anastácio tivesse mais uma opção sexual, ainda não tinha resolvido o seu problema de testosterona, embora agora não precisa-se procurar sexo fora de casa para matar o vício. Era uma planta de interior, produziu grandes quantidades destas plantas que tinham algumas particularidades curiosas, aquando do acto sexual abanavam em frenesim os “cabelos”, libertavam grandes quantidades de oxigénio e não precisavam de adubo, bastava para a sua nutrição uma atenção cuidada e frequente. Atenção cuidada e frequente pois eram plantas muito sensíveis que reagiam mal a produtos químicos, eram e são, portanto, plantas “biológicas”. Precisavam, para ser mais conciso, embora grosseiro, de sexo sem preservativo, ao natural como era timbre de Anastácio. Plantas que viviampara o amor e viviam do amor, etenda-se que não tinham gula desmedida de amor, bastava-lhes os restos, as sobras do prazer amoroso.
A libertação de oxigénio não foi propositada, mas Anastácio viu ali uma oportunidade de negócio, queria enriquecer a toda à força, e decidiu comercializar estas plantas. Em boa hora o fez, estamos numa época em que os tabus sexuais acabaram. A “Planta do Amor”, assim conhecida, fez e continua a fazer um enorme sucesso, quer ao nível ambiental quer mesmo ao nível moral visto ter acabado com a profissão pouco digna e contudo a mais antiga.
Anastácio aproveitando os subsídios estatais a que tinha direito pela criação do negócio e ainda pelos abismais lucros da venda da patente, deixou de trabalhar. Vivia exclusivamente para o sexo vegetal e para o seu estudo com o intuito de acabar com a sua dependência. “Inventou” outra planta, esta só para ele, em tudo igual às anteriores. Em tudo menos na rama (cabelos) e na libertação de oxigénio. A rama agora tinha a forma e a textura de uma silva que se enrolava no amante durante o acto sexual. Ao agarra-se, no amante neste caso o Anastácio, espetava os seus espinhos e por esses espinhos libertava no corpo humano grandes quantidade de testosterona. Os resultados foram fenomenais nem Anastácio esperava tanto, o seu problema estava resolvido. Dedicou-se então ao sexo carnal, que o físico também precisa dalgum encanto através da fala. Já não via grande interesse no sexo vegetal. Mulheres era sempre a aviar, tinha perdido o vício mas não o apetite, era um homem insaciável. Mulheres não faltavam, graças aos seus atributos, já discutido, à sua fama de salvador da humanidade bem como sua enorme riqueza. Milhares de mulheres por todo o mundo tinham como sonho passar uma noite com ele e quem sabe um filho.
Não passaram por falta de tempo, Anastácio chegaria certamente para todas, apesar dá sua cada vez maior jovialidade e frescura algo de estranho se passava com ele, ia ganhando aos poucos uma coloração verde. Com certeza alguma mutação genética, não se sabe bem ao certo. Seja como for, quando ficou completamente verde entrou neste estado vegetativo em que agora se encontra.

(Continua amanhã)

sábado, fevereiro 11, 2006

A Última Obra

A Última Obra

“… O medicamento Percipiolhoral usado experimentalmente em certas formas de cancro, mostrou que tem não só a capacidade de bloquear a replicação de células com VIH mas também a capacidade de destruição do vírus. A droga que actua sobre uma enzima conhecida como P-TEFb, interfere com o processo de transição, acabando com as mutações que eram praticamente impossíveis de ultrapassar no tratamento do VIH. A Dr. Elvira Matos e o DR. Ernesto Stein, ambos responsáveis pelo estudo e candidatos ao Prémio Nobel, afirmaram que o medicamento tem um sucesso total mesmo em doentes terminais.
…”
Texto publicado no Jornal X…

Foi com profunda desilusão que li esta notícia. Claro que fiquei contente pelo sucesso do medicamento. O que me entristece é a falta de ética e grande injustiça nestas coisas da ciência, o nome do Dr. Albertino Matos nem por uma vez foi mencionado. Estou certo que se ele ainda estivesse entre nós pouco ou nada se importaria. Irrita-me, faz-me muita confusão haver pessoas que se dizem cientistas e depois apoderarem-se de estudos alheios. Desejo de fama nada mais que isso.
Há uma espécie de homens que a civilização consegue negar ou ignorar. O Dr. Albertino foi um desses homens, sempre dedicou a sua vida à ciência, quiseram os Deuses que a ciência não lhe dedicasse uma só palavra. Os Deuses têm uma estranha forma de fazer justiça, esquecido pela ciência é hoje lembrado pela sua esplendorosa arte.
Travei conhecimento pelo seu invulgar espírito na III Conferência Internacional de Bioquímica – 20011, dedicada ao estudo e novas formas de abordagem do cancro. Reputado bioquímico, na altura, a sua palestra criou como era hábito uma grande expectativa. Subiu ao palco, apagaram-se quase a totalidade dos focos, pois o Dr. Albertino tinha adquirido uma estranha alergia à luz. O tema da sua palestra foi « A Ciência e a Arte», o seu ar delirante e entusiástico que sempre criara grande fulgor e curiosidade no público conferencista transformou-se em repulsa e risota geral. Trazia óculos escuros de cor amarela queimada, um sobretudo laranja zebrado na diagonal por listas de um roxo vivo. A calvície, que sobressaía num cabelo espigado, acinzentado com malhas de branco, reluzia na pouca luz, aliada ao seu jeito atabalhoado estava dado o mote para o bizarro.
Andava de um lado para o outro em passos curtos e rentes ao chão, ziguezagueando, abrindo os braços, falando coisas sem nexo, «A arte não é mais que informação quântica processada biologicamente, a ciência pode descobrir na arte curas milagrosas. Na arte não existe a dualidade Eu vs. Mundo, o Eu e o Mundo fundem-se num só, sentir é compreender, sentir é curar…». O homem está doido, bem que o dizia, a sua ex – mulher, a Dr. Elvira agora casada com o Dr. Ernesto Stein, a loucura total, no meio de frases mirabolantes, deu-se quando puxou de dois frascos em vidro com tampas esburacadas. Um dos frascos continha percevejos o outro piolhos, «A saliva do piolho impede que o sangue coagule, o percevejo pode recriar a dor através da cor, dor que se transmite pela arte, o percevejo pode dar pinceladas resplandecentes, vibrantes empastando ou provocando explosões, a dor fica no pintor que por sua vez a reflecte na tela, há uma transmissão quântica sem tempo nem espaço…». Talvez tivesse ficado nervoso com as gargalhadas que inundavam o anfiteatro ou tivesse alguma dificuldade em ver, o certo é que tentou elevar os óculos à testa num movimento brusco e deixou cair um dos frascos que se estilhaçou no chão soltando os irrequietos bichos. O homem baixou-se, corria em gatas atrás dos escorregadios insectos quando o Dr. Ernesto resolve parar a palestra do Dr. Albertino dando-a por finda. Todos saíram, olhando e sacudindo a cabeça com desdém para aquela criatura ainda de gatas e de costas viradas. Senti pena e fui ter com ele, demorei um pouco para pensar no que havia de dizer. Acabara de sair a última pessoa, para além de nós dois, senti um grande alívio pois não foi preciso dizer nada. O Dr. Albertino levantou-se num ápice e olhou para mim de cima a baixo e disse-me: «Ah, és tu!» Ali não tive a menor dúvida que estava louco, não me conhecia de parte alguma, sem que eu pudesse responder continuou: «Estava à tua espera, não sabia quem eras, mas o meu pressentimento estava correcto. Amanhã vem ter comigo, jantas em minha casa.» Deixou-me um cartão com a sua morada e partiu, fiquei especado tinha-me apanhado desprevenido e fui incapaz de dizer que não. De qualquer forma alguma curiosidade latejava em mim, de facto ele tinha sido um grande bioquímico e alguma coisa sã devia ter ficado de tão brilhante mente.
Uma casa de campo isolada no meio do monte, via-a ao longe, atravessei uma quinta rural relativamente iluminada cheia de estábulos e pocilgas, o caminho enlameado intenso de cheiros não me agradava, havia perdido o apetite. Entrei, a luz era mais forte na rua, o jantar em cima da mesa estaria com certeza mais quente que a ténue vela de cera esverdeada. Continuava vestindo aquele bizarro sobretudo, na cabeça usava um tricórnio preto que não tirou durante o jantar, argumentando que o tricórnio lhe projectava sobre os olhos a sombra necessária para serenar a sua alergia. Jantamos, pouco comi, tentei várias vezes puxar a conversa para o lado da ciência, esforço infrutífero que nada podia contra encorpados devaneios d’ arte. Na dureza daquela casa em pedra existia uma frágil mente em galopes alucinados de cor. Do estranho discurso que naquela noite proferiu pouco me lembro, a parte mais coerente, aquela que fixei, aqui a deixo: «No toque sensível do pincel, pintarei dores aglomeradas em degenerados corpos nus. Purificarei entranhas em tinta reflectidas. Na tela esbaterei dores por mim sentidas e antes transmitidas em ciência que por fim terão informação quantificada em arte…” Algo de estranho se passava, sentia a meus pés o chão a mover-se comecei a sentir tonturas, levantei-me desculpando-me com compromissos e trabalhos, encaminhei-me para a porta em paços estaladiços. Abri a porta, respirei ar puro com cheiro a estrume, olhei para trás seguindo os feixes de luz que entravam em casa e quase vomitava de tão nauseabunda visão. O chão impregnado de percevejos deslizava para a escuridão. Virei costas, acho que nem boa noite disse, e caminhei no meio do lodo. Ouvi ainda ecos, como que a suplicar - não vás já, do discurso da Conferência:
«A arte não é mais que informação quântica processada biologicamente, a ciência pode descobrir na arte curas milagrosas. Na arte não existe a dualidade Eu vs. Mundo, o Eu e o Mundo fundem-se num só, sentir é compreender, sentir é curar…».
No meio daquele caminho ensopado, que teria de seguir até à estrada onde deixara o carro, cruzei-me com um monte de estrume, no cume do monte erguia-se um sadio malmequer amarelo. Aproximei-me para sentir o seu perfume, uma leve fragrância era tudo o que levava de uma noite pestilenta.
Logo que cheguei a casa deitei-me estava exausto, tive dificuldade em adormecer, a imagem do malmequer no cume de um monte de merda não me saia da cabeça. Há imagens que criam mais raízes em nós que os pensamentos por mais lógicos que sejam ou pareçam. Uma flor no cume do estrume. Não seria à arte como imagem e à ciência como pensamento lógico que o Dr. Albertino se referia? Não estaria eu a julgar todo o meio envolvente do Dr. Albertino como estrume e a desprezar o malmequer dos seus pensamentos? Se sim, fui claramente injusto. «Amanhã irei visitá-lo novamente, por via das dúvidas», pensei.
Fui durante o dia que assim aqueles insectos repugnantes não sairiam do seu covil. Quando cheguei, no dia seguinte, reparei que o Dr. estava cego, aprontei-me a lamentar a sua terrível sorte, facto que ele recusou pois, segundo ele a cegueira tinha sido induzida, por processos que eu desconheço, para apurar sentidos. Cheguei então para falar de arte, coisa que para ser sincero nada sei, e não é, para espanto meu, que o homem se vira para a ciência. Diga-se de passagem que foi uma conversa bastante proveitosa, fiquei a saber que por exemplo a saliva do piolho impede o sangue de coagular e quais os processos químicos envolvidos, bem como mil e uma coisa sobre percevejos, desde as suas mandíbulas até ao seu zumbido, pormenores que aqui não explicarei. Convidou-me par voltar no dia seguinte, as 16 horas, altura que receberia a sua primeira cliente. Primeira cliente? Coisa estranha, um bioquímico armado em médico ou talvez artista, pensei mas não disse por educação.
Antes das 16 já eu lá estava, chegou então uma mulher na casa dos 30, 40 não mais, uma senhora em desespero sem um único cabelo. Eu conhecia-a era paciente da Drª Elvira, tinha cancro e a quimioterapia não produzira qualquer efeito benéfico.
Desceram para uma cave, o Dr. Albertino levava apenas vestido o seu habitual sobretudo, o objectivo segundo me apercebi era pintar um nu às escuras, por um pintor cego, e curar a doente. Armado em curandeiro artista, nunca tinha ouvido falar de tal coisa, provavelmente nem a senhora que tentava um milagre, ao que o desespero chega, pensei incrédulo. Passado algum tempo ouvi gritos de terror como se a senhora estivesse a ser dilacerada por monstros horripilantes.
Dei um pequeno passeio, não queria ouvir tal coisa, por momentos pensei em acudir a pobre coitada, mas pensei melhor, o Dr. Albertino pode ser tudo menos violador, isso de certeza não é. Avistei ao longe o Dr. carregando em ombros a paciente, aproximei-me a passsos largos, não queria acreditar no que via, a mulher estava empestada de terríveis mordidas empoladas. O D. disse-me: «Não te preocupes agora está bem». Não sei porque cargas d’ água acreditei na sua voz firme e convicta, chamei uma ambulância e acompanhei-a ao hospital. Estava bem, não corria risco de vida, antes pelo contrário, algum tempo depois o cancro tinha desaparecido. Ocorreram-me inúmeros pensamentos que a minha mente acostumada à lógica da ciência não conseguia explicar.
Voltei a casa do Dr., tinha os braços completamente empolados, implorei-lhe para me explicar tão insólito acontecimento, sob pena da minha mente entrar em colapso. O Dr., à sua maneira, tentou dissipar as minhas dúvidas falando da influência do zumbido dos percevejos aliado ao sangue humano podia além de ser um grande condutor ( veiculo de transmissão de informação, era também deflector e bloqueador de células cancerígenas, que juntamente a piolhos, à Teoria das Cordas ( nova teoria física que visa complementar falhas da Teoria da Relatividade e da Mecânica Quântica) e ainda à arte podiam determinar a cura. Não compreendi nada desta explicação, pareceu-me mais coisa de Espiritismo, de insectos nada sei de Física muito menos. Foi ai, que o Dr. me arranjou um paralelismo, ainda que grosseiro segundo ele, ao de uma máquina fotográfica. « Será a fotografia arte? Não, não é. Quando uma paisagem é fotografada temos como resultado uma foto que representa uma simples imagem, vista de um determinado ângulo, dessa paisagem. Nem por isso a paisagem deixa de existir. A verdadeira arte é aquela que além de representar o real a imaginação ou a paixão, altera a realidade transportando-a para dentro do artista, deixando esta de existir no exterior. Ficando apenas uma representação que damos o nome de arte. No fundo eu sou a máquina fotográfica ,com a vantagem da realidade que transpus para a tela deixar de existir no exterior passando a habitar em mim. Quanto aos insectos são apenas o meio que permite tal feito.» Fiquei estupefacto com tão grandioso acontecimento e alucinantes pensamentos. Uma coisa me perturbava ainda e perguntei:
- «Então Dr., isso significa que o cancro saiu da senhora para habitar em si?»
- « Sim é verdade, mas não fisicamente, existe em mim o cancro em forma de energia, se quiseres podes dizer, para ser mais simples, que existe em mim um cancro e que este se situa na alma, numa outra dimensão.
De facto era mais simples mesmo para uma pessoa da ciência como eu, compreender isto como algo ligado ao Espiritismo e não à ciência ou arte. Arte? Onde está então tal arte, perguntei. Foi quando o Dr. me mostrou uma estrondosa divindade. Um quadro expressionista, maioritariamente em tons vermelhos de pinceladas bruscas. Ah! Como é belo esse quadro, olhando-o tem-se milhentas emoções coloridas, dores diluídas em celestiais sensações! Indescritível! Só Vendo! Só Vendo! Quadro bem como outros, do grandioso pintor, estão à vista de quem quiser confirmar no Museu T…
Nos tempos seguintes acompanhei de perto todas as milagrosas curas e os seus deslumbrantes quadros. A obra do Dr. Albertino, inicialmente foi bastante divulgada pela curiosidade de ser um pintor cego, hoje felizmente é conhecida pelo seu incomparável mérito e talento.
No dia da sua morte teve um discurso estranho:
« Meu caro sucessor, a minha alma está cheia, já não posso mais, pintarei a última obra um auto-retrato. Darás esta obra a minha ex-mulher, ela saberá o que fazer…” Que raio quereria ele dizer com ser o seu sucessor, porque quereria ele que fosse eu entregar o seu auto-retrato à Drª Elvira, porque é que não a entregava ele. Prometi que sim, não conseguia dizer-lhe que não.
Fui para casa, não consegui pregar olho durante toda a noite, algo me preocupava, palavras que martelavam na minha cabeça: Máquina fotográfica; alma cheia; rolo;
Voltas e mais voltas e os olhos que não cerravam. Nasceu o dia, a claridade assaltou a minha alma abruptamente, se a alma é a máquina fotográfica e está cheia, significa também que o rolo está cheio e é necessário revelá-lo. Levantei-me, vesti-me apressadamente e corri como um louco ao encontro do Dr.
Encontrei-o morto, desalmadamente morto, uma verdadeira sucata leprosa, cancros em feridas abertas por todo o corpo, os braços e mãos cobertos de insectos hematófagos. Horrível! Horrível! Ao seu lado o quadro, o último quadro, que era uma cópia de todos os outros pintados pelo artista, divididos em pequenos quadrados, cada um quadrado um quadro anterior…
Entreguei, como prometido, a última obra à sua ex, esta por alguma consideração ou por divulgação da caridade resolveu expô-lo no Museu T… ao pé dos quadros anteriores. Este quadro era diferente de todos os outros, algum tempo depois começou a deteriorar-se e a emanar um cheiro putrefacto. Apôs análise pela Drª Elvira e pelo Dr. Ernesto Stein foi descoberto que a tinta usada era sangue humano que continha o vírus VIH, completamente controlado…

Ultimamente venho sentido uma crescente alergia à luz. Hoje pela primeira vez senti um incontrolável impulso de compra. Comprei uma tela de pintura….

terça-feira, fevereiro 07, 2006

O Corvo

Paira sobre mim um terrível presságio. A minha alma sofre, arranha-me o espírito, sangram-me os pulsos impotentes contra garras felinas.
Agarrei num papel e escrevo, escrevo desalmadamente. CALA-TE!
Detesto psiquiatras. Abomino essas bestas, que se agarram com todas as patas à teia mórbida da ciência. Apavoram-me os cépticos, que me querem internar, eu que sempre trabalhei com e para eles. Ingratos, são umas bestas ingratas. Cépticos! Cépticos! São uns cépticos!

Três meses, faz amanhã três meses, que uma estranha criatura chegou ao Hospital Psiquiátrico. Podava, eu naquela altura, a Roseira de Rosas Brancas, assim chamada, junto ao portão da Entrada Norte. Norberto, trazia um casaco de fato anos 60, encardido de surro, parecia castanho, umas calças, limpas, de flanela com padrão axadrezado de azul e amarelo. CALA-TE!
O casaco parecia um colete-de-forças de tão apertado lhe ficava, as calças pelo contrário demasiado largas, largas e curtas com bainha apanhada pelos joelhos. As curtas calças, prezas por suspensórios laranja, deixavam ver umas meias altas e roxas com bonequinhos amarelos. CALA-TE!
Mais um maluco - pensei eu. As botas acho que eram de caça, mas não estou bem certo, outra coisa me prendia a atenção, um corvo. Um maldito corvo que sobrevoava em círculos enigmáticos centrados na cabeça de Norberto.
- Vai para longe, maldita aparição do Inferno! – Gritos agudíssimos, que Norberto deitava aos ares, tentando espantar a maldita criatura.
Acabou por ser internado como esquizofrénico, apesar de ter uma clara percepção da realidade. Um esquizofrénico, que foi internado por sua livre vontade, não passou despercebido às ignóbeis criaturas que dão pelo nome de psiquiatras. Não passou despercebido mas também não lhe deram qualquer importância. CALA-TE!
Norberto tinha uma clara noção da realidade, o problema era mesmo o seu interior, ouvia vozes. Não vozes que o perseguiam, ou lhe ditavam regras, apenas vozes que pediam ajuda. NÃO TE QUERO OUVIR! Não se achava Deus, nem um ser enviado por ele, apenas queria ser uma pessoa normal como antes o foi, ou pelo menos assim o dizia.
Transido de dor, repassado de terror, vagueava horas a fio pelos insensíveis corredores do Hospital. Gostava de se ver ao espelho, «Assim vejo-me, tenho a certeza de mim.», disse-me várias vezes.
Muitas vezes tinha convulsões de penetrante agonia, vibrava-lhe a face, tremiam-lhe os lábios, revirava os olhos, escorriam-lhe suores pela testa pálida, cerrava os punhos, contorcia-se no chão em sofrimentos abismais, espasmos aflitivos ritmados aos sons enojantes daquela maldita criatura, que rondava o Hospital, em negra chilrearia. CALA-TE!
Dia 8 do passado mês, voltou a ter um desses ataques terríveis, tal como outros juntava muitas boas almas, mais para ver do que para ajudar, os gritos de Norberto eram um bom alarme. Este ataque era pior que os outros, muito pior, até a maligna criatura, aquele corvo diabólico, emitia ruídos muito mais desesperantes que das outras vezes.
Norberto, rebolava pelo chão, não consigo imaginar as dores que aquele pobre diabo teria, abriam-se, nos seus pulsos, fendas que jorravam sangue em esguichos intermitentes, horrível. Olhos horrorizados das testemunhas, não fui o único a ver, éramos para ai uns dez ou mais, entre os quais estava o Dr. Pedro Silveira, o céptico ignóbil que agora me quer internar.
Um arrepio álgido percorria-me o corpo, quando, transtornado, deparei com uma luz branca e transparente com contornos electricamente ondulantes que saia, como uma serpente, dos pulsos de Norberto. A luz a todos deixara desmaiados, caídos no chão. O sangue que estava no chão evaporava-se sem deixar vestígios, sendo absorvido pela luz. Aquele corpo de luz, matéria energética ou que diabo era aquilo levita e dirige-se para a rua, através de uma janela semiaberta. Corri, hipnotizado, para ver a bola de luz, para ver qual o seu destino, flutuou no ar, planou no meio da rua, rodopiou algumas vezes, num instante ganhou uma aceleração diabólica e penetrou no maldito corvo que fugiu. Lembrei-me de Norberto, corri para socorre-lo, supus que pudesse estar morto, verdadeiramente morto, para meu espanto estava bem, com um sorriso nos lábios, ajudei-o a levantar-se, olhei-lhe os pulsos as chagas estavam cauterizadas, devia ter sido a luz. Os outros, com a nossa ajuda, iam despertando atabalhoadamente, ninguém se lembrava do ocorrido nos últimos 5 minutos. «Alguma fuga de gás, ou o cheiro de algum medicamento mais forte deve ter sido a causa dos desmaios», disse o Dr. Pedro Silveira. Ninguém reparou, ou ninguém quis reparar nas chagas cicatrizadas dos pulsos de Norberto. Quando pensava que o corvo tinha desaparecido, avistei-o novamente a rondar o Hospital.
Norberto, andava feliz, dizia que tinha muita gente para ajudar e que nem de perto estava doente, no entanto os ataques sucediam-se, mas agora sem gritos, continuavam era as chagas espalhadas por todo o corpo. Cada ataque, aquela bola de luz, que penetrava na malvada criatura, o corvo que depois fugia e regressava mais tarde. Várias vezes por dia isto acontecia, só eu dava importância a isso. Pois, essas imundas criaturas, os psiquiatras, são os culpados pela morte de Norberto.
Norberto, no dia 15 deste mês, teve o último ataque, um ataque sem dor, pediu-me antes de morrer, aliás eu só mais tarde soube que ele morrera, que seguisse o corvo. Segui o maldito, tendo a impressão que era o demoníaco corvo que me guiava. Entrou, pela janela, numa casa. Bati à porta, ouvi gritos de uma criança, gritos de medo de pavor, arrombei a porta e vi a maligna criatura atacar uma menina, não deve ter mais de 5 anos.
O corvo, atacava ferozmente, a face da menina transtornada, espantei o maldito. Vi, aquela luz, só que agora dividida em várias, que entravam na garota, pelas feridas provocadas pelo corvo, cicatrizando estas. Vi os pais, deviam ser os pais da criança, estavam furiosos tomaram-me por um assaltante, consegui fugir. Pelo caminho de regresso, deparei-me com um placar indicativo de uma associação. O nome chamou-me a atenção, Corvo Negro, o nome. Entrei, ninguém na recepção, caminhei por um estreito corredor que traziam vozes. Entrei numa sala com inúmeras pessoas, todas olhavam para mim com um olhar que me meteu um medo incalculável. Não que elas me quisessem mal, olhavam para mim com um olhar de veneração, autentica veneração, como se fosse um Deus. Fugi. Soube mais tarde que esta associação, era composta por membros que tinham o seguinte em comum:
1- Foram doentes de Epilepsia
2- Tiveram curas miraculosas
3- Na altura da cura todos tinham sido atacados por um corvo.

Paira sobre mim um terrível presságio. Paira sobre mim esse maldito corvo. Cala-te! Cala-te maldito. Não te quero ouvir! E tu cala-te também, não quero ajudar ninguém, não quero morrer! Não quero chagas! Cala-te! Ai! Ai os meus queridos pulsos! Vou! V…! V… ter…! Vou t…. outro…! Vou t… o… ata…!...........................



Nota: Inspirado no poema "Deixa-te Estar" do Corvo Negro(http://corvo-negro.blogspot.com/)

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

O Pintor do Tempo

Escrevo palavras, agora que a saúde me abandonou e o fim está próximo. Escrevo estas palavras, com plena firmeza e segurança na minha mente, se é que alguém que passou pela prisão pode ficar imune à insanidade mental. Não as escrevi antes por receio ou vergonha que além de assassíno me pudessem chamar de louco. Louco, é um termo que abomino. Não quero aqui provar a minha inocência, faço disto tão só um pequeno testamento, que dirijo ao meu filho. Pouco mais me sobra, se não esta leve incerteza de que nunca matei ninguém, que em herança pretendo transmitir. Fui apenas condenado por um crime que não cometi, um crime que nunca o foi, um crime que nunca existiu.
Fui condenado, pela possível morte de João Pintor, assim era conhecido, hoje passados 40 anos, é tratado pelo Fantasma. O Fantasma da Casa Assombrada, casa dada ao abandono. Restam as ruínas. Intacta, apenas uma estrutura, a escadaria onde pela ultima vez vi João Pintor em carne e osso. Tenho ultimamente deparado com várias aparições desse Fantasma sempre no mesmo sítio, na tal escadaria intemporal.
Pois bem, conheci João, por volta do princípio da Primavera de 66. Nunca esqueci as feições assimétricas do rosto litúrgico, o olhar divergente e o cabelo destrambelhado, daquela inexplicável criatura. Era um espírito original, amável, com uma imaginação indescritível. Depressa me afeiçoei ao seu ar coloridamente desmazelado. Ao princípio estranhei, que labora-se sempre no mesmo quadro, dia apôs dia, sem lhe ver forma ou o mais leve contorno, qualquer linha colorida, qualquer traço perceptível. Mais estranhei, que o dito quadro, por mais que João pincelasse em louco frenesim de braços, não passava, a meus olhos, de um borrão de tinta azul. Estava desejoso de ver outras obras, que João tivesse produzido, esfriou-se o meu entusiasmo, quando me contou que havia queimado todos os seus quadros anteriores. A razão era simples, segundo João qualquer quadro produzido até aquela altura fosse qual fosse o artista, não passava de uma banalidade tacanha que nada tinha de arte, de arte suprema. Na altura, olhando para aquele borrão de tinta, não me apercebi do alcance das suas palavras, cheguei mesmo a pensar (e Deus me perdoe) que era um maníaco com manias d’artista. Oh! Como estava enganado!
Disse-me – Eis um trabalho de dois anos, uma obra jamais feita, uma obra quase perfeita, uma obra viva e no entanto nada de especial. Nada de especial. – num tom orgulhoso e contudo suava a uma desilusão enigmática.
Nada de especial, estúpido mesmo, pensei eu ao ver aquela nódoa de tinta espelhada na minha mesquinha ignorância. Não compreendia, um trabalho de dois anos para se esborratar naquela mancha, depressa desfiz as minhas dúvidas. João pegou no quadro levou-me para a cave, uma sala negra, forrada em veludo preto, confesso que por momentos senti um temor que me arrepiou desmesuradamente. Estava numa cave, em trevas abismais, com um louco, um louco de olhos estrábicos. O meu receio desfez-se repentinamente, quando João iluminou a sala com inúmeras luzes coloridas, apontando os seus focos para o quadro. Meu amigo, vê agora, olha para o nunca antes visto – disse-me. Olhei! Olhei paulatinamente! Absorto em pávida incredulidade! Atónito! O medo confundiu-me a mente, deturpou-me a vista! Esfrego os olhos! Esfrego, volto a esfregar! Não acredito! Não acredito! Pasmo! Oh! Incrível visão! Chuvas torrenciais de sentimentos esborratavam-se em mil emoções. Colapsos estonteantes. Deslumbrei planos e mais planos, planos perpendiculares, diagonais, tangenciais de paisagens coloridas que se precipitavam em espirais delirantes. Oh! E contudo sempre a mesma paisagem! A mesma paisagem em movimento contínuo, uniforme, acelerado, convexo, sei lá, sei lá… Diabólico, verdadeiramente diabólico! Um quadro vivo. Vivo! Vivo está vivo! Um quadro como se fosse um filme onde se sobrepunha frame após frame. Árvores que dançavam ao vento, rios que corriam. Juro, Juro que sentia a fragrância da verdura, ouvia os sons da água… Oh! Visão delirante!
Está vivo! Está vivo! - Gritei sem desviar o olhar obsessivamente petrificado. João tapou-me os olhos, chamou-me à razão, acho, não tenho a certeza, que me deu duas bofetadas para sair daquela hipnose colorida. Recuperei, não sei ao certo quanto tempo depois daquele choque ou festival de sentidos sei lá, já fora da sala negra com João ao meu lado com um copo de água.
- Incrível, isto é incrível! Não é possível!
- É possível, mas nada de especial.

Retorquiu João.
João explicou-me o porquê, de não ser nada de especial, eu criei arte viva, como é viva terá como fim a morte. Queria eu lá saber da morte, aquele momento havia de ficar para sempre. Fui para casa, e nessa noite concebi também a minha obra de arte, a minha obra viva, foi nesse dia que concebi o meu querido filho.
No dia seguinte, voltei a casa de João, mal o avistei logo lhe perguntei:
- Como conseguiste? Com conseguiste?
- Imaginação, meu caro amigo, imaginação. Como já reparaste não me sinto satisfeito com a minha obra. A minha obra vive, vive, repara bem, vive no tempo, ela muda, ela cresce, ela amadurece, ela envelhece e por fim há-de morrer. O tempo tudo corrói. Quero uma obra viva mas intemporal, eterna como deve ser qualquer arte. A única coisa, repara amigo, a única coisa que foge ao tempo é a imaginação. Temos artistas que ora têm como objecto o passado, ora o presente ora o futuro.
Dos artistas que se baseiam no passado - o passado são simplesmente tradições ou quando muito vãs recordações, nenhuma obra digna de se chamar arte pode resultar de tão pouco.
Dos artistas que se baseiam no presente – o presente não passa de moda, moda inútil, do inútil nada que se prime pelo belo pode resultar.
Dos artistas do futuro – O futuro em sí, como objecto da arte, é um ideal, todo o ideal tende para a perfeição, a perfeição, caro amigo, é impossível de atingir logo do impossível nada a que se chame arte pode resultar.
Tanto o passado como o presente ou o futuro, são simples coordenadas do Tempo.
Amigo, meu único e querido amigo, o tempo prende, prende tudo menos a imaginação, isso é claro, não tenho a mínima dúvida. O Tempo é como o ar, ou melhor é como o vento, para navegar no vento é necessário asas. As asas da imaginação. Isso também eu já fiz, mas como tu podes viste obtive, embora inédito e genial, este triste quadro, este quadro condenado, que tem a morte assegurada. Eu preciso de ir além do Tempo, só assim poderei desvendar aquilo que foge ao tempo e tornar minha obra eterna. Tenho de ir ao instante, anterior ao início do Tempo. Pois é isso mesmo que agora me preparo para fazer.


Envolto em terríveis nós neuronais, limitei-me a seguir João sem dizer palavra, não podia sentia-me atordoado, dirigia-se para a sua casa. Entramos, e disse-me:

Vou subir estas escadas de costas, é um pouco estranho, faço-o apenas porque me ajuda a concentrar, e a desenvolver a máquina da imaginação, não há outra razão. Depois viajarei pelo Tempo, pelo vento com as asas da imaginação, até ao início no tempo em que não havia Tempo. Voltarei, com segredos revelados que me permitirão fazer aquilo porque tanto anseio.


João subiu de costas, lembro-me perfeitamente, três degraus e subitamente desapareceu, deixando apenas uma réstia de luz. Luz essa, que de vez em quando, ainda hoje, é visível dai o nome de Fantasma.
Fui condenado, e verdade seja dita também por fruto da minha ignorância, pela morte de João, pois em vez de dizer que puramente não o tinha visto, mantive sempre a história que agora coloquei em palavras. No meu julgamento, e honra seja feita ao meu advogado, o quadro de João foi levado como prova, bem como todas as lâmpadas coloridas, para minha infelicidade o quadro tinha morrido, não passava de um borrão de tinta azul. Ainda hoje, tenho pesadelos com toda aquela gente a rir-se e a chamar-me de louco.
Apenas para finalizar esta história, que me tem consumido ao longo destes anos, aqui deixo umas breves ilações ou suposições do que aconteceu.
- O quadro morreu.
- Segundo dizem os físicos, e eu não percebo nada de Física, o Tempo não é concebível fisicamente antes do Big Bang, então, penso eu, João viajou, nas asas da imaginação, para um sítio onde não existia vento, não existindo vento ele não podia sai do instante da partida.
- Espero que João não tenha consciência desse instante repetido indefinidamente, o que se assim for ele vivera eternamente naquela alegria da partida, um instante eterno.
- Tenho pesadelos, só de pensar que de alguma forma João possa ter consciência que está a viver indefinidamente esse instante, ou seja um instante que embora alegre, se repete vez após vez deixa de ser alegre, para ser monótono, deixa de ser monótono para ser insuportável, é assim que imagino o inferno. Inferno! Meu maior medo, é que a minha vida para além da morte seja apenas um instante. O instante em que o meu filho não acredite na minha inocência.PEsadelo! Pesadelo!Inferno!!!!


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